MESTRES ANTIGOS - THOMAS BERNHARD

Reger é um crítico musical que vive em Viena. Aos 82 anos, ele visita, dia sim, dia não, o museu nacional. Senta-se sempre no mesmo banco e fica por horas diante do quadro de Tintoretto, Velho com Barba Branca. Rico, ele escreve crítica musical no Times de Londres. O narrador vai ao seu encontro, são amigos faz muito tempo. O observa, pensa nele e depois ouve o que Reger tem a dizer. -------------------- Thomas Bernhard, o mais importante escritor em língua alemã dos últimos 50 anos, é um autor corajoso. Ele não tem pudor em nos mostrar uma personagem absolutamente antipática. Reger odia tudo. Goethe, Tintoretto, Tiziano, Schiller, Mahler, mas acima de tudo Heidegger. Seu ataque é absoluto. O mundo foi tomado pelo kitsch e se voce olhar com atenção ou ler com atenção para qualquer obra de arte poderá perceber seu kitsch. Mais: artistas como Rafael ou Bach ou Mozart nada mais eram que funcionários públicos, serviçais do estado, do maldito estado. Tudo que fizeram foi produzir aquilo que o estado, ou a igreja, que também é estado, pediam. Já a arte moderna é ainda pior, ela odeia o mundo, a vida, as pessoas. E rastejam atrás de prêmios, diplomas, patrocínio oficial. Por 185 páginas, em um único parágrafo, Thomas Bernhard nos faz entrar na mente desse homem, um viúvo agressivo, cruel, metódico. -------------------------- Tendo lido outros livros de Bernhard eu sei que muito de Reger é Bernhard, mas não tudo. O ódio à mediocriadade austríaca é 100% Bernhard. O nojo aos colegas também. --------------- Mas então, quase ao fim do livro, vemos um traço de humanidade em Reger. Sua esposa morreu e o deixou só. Reger pensou que seus livros, quadros, música, poderiam o consolar. Mas então ele sentiu: quando na dor real, profunda, toda a arte mostra o que é: nada. Sua alegria, sua vida era sua esposa. Sem ela, a arte nada significa, porque a vida nada significa. Ironia: a arte que deveria nos salvar só é util quando somos felizes. ---------------- Olavo de Carvalho escreveu um texto onde diz que autores como Dostoievski ou Stendhal parecem maiores, e são, porque em seu tempo ainda se tentava captar toda a vida em uma obra de arte. No tempo moderno é impossível entender ou expressar o que seja viver. Portanto, um livro, para ter valor precisa se concentrar no simbolismo, na criação de um mundo fechado, fora da realidade. O texto em prosa se torna poético, isso quando bem sucedido. ----------------- É o que faz Thomas Bernhard. Seu parágrafo de 185 páginas é um poema sem rima. Sem poesia. Ele cria um estilo onde tenta captar algo do mundo em que viveu. No modo Dickens, Balzac ou Tolstoi isso seria hoje kitsch, como kitsch é todo romance deste século que procura ser "romanesco". Kitsch e sentimental. ---------------- PS: Bernhard através de Reger chama a atenção para o excesso de música no mundo. A arte musical perdeu seu valor porque hoje se ouve música todo o tempo em todo o lugar e é preciso produzir música para todos os momentos da vida. Uma bela sacada.