THELONIOUS MONK E A IMPERFEIÇÃO

Pessoas imperfeitas. A inovação em arte nasce da imperfeição. Whitman fazia versos sem rima, sem metro e que dificilmente poderiam ser cantados. Sim, voce pode dizer que eram perfeitos a seu modo, mas de um ponto de vista formal eram imperfeitos, ou melhor, estavam fora do mundo formal, criavam seu próprio mundo e seu padrão. Gauguin pintava sem perspectiva, Proust não desenvolvia enredos. --------------- O jazz já nascera como imperrfeição. Quando voce escuta um trombone ou um trompete numa filarmônica e em seguida o escuta como tocado por Miles ou Paul Gonsalves, voce logo percebe que há algo de errado ali. Numa obra de Stravinski ou Haydn, o sopro é puro, sem sujeira, sem indefinição. A nota flui como uma flecha certeira. No jazz o sopro é sinuoso, áspero, sujo, indefinido, hesitante, roncador. --------------- Thelonious Monk não é um dos melhores pianistas do jazz. Não tem a velocidade de Bud Powell, nem a beleza de Bill Evans e muito menos a elegância de John Lewis. Mas Thelonious é um gênio, coisa que os outros não são. Tudo em Monk é errado. Ele toca com os dedos rígidos, duros, alongados, pulsos pesados, braços nada relaxados. Bate nas teclas, parece brigar com o piano. Imagino que seus dedos e pulsos doíam. A mão esquerda produz harmonias pobres e dissonantes. A direita não parece solar. Ela se atrasa, se adianta, nunca toca no momento que parece o mais correto. Pior, ele desafina. Notas que parecem pontos de interrogação. Mas, eis o milagre, ele vicia, ele tem segredos, instiga. ------------ Acompanhar Thelonious deve ser um imenso desafio. Pois ele muda o tempo, desarmoniza, erra, erra sem parar de errar e esses erros viram acertos, porque se tornam uma invenção, um estilo. São digitais de Monk. -------------- Um pianista técnico nos assombra e pode até comover, mas ele nunca se torna aquilo que toca. Ele interpreta. Já Thelonious Monk é o que toca. Cada erro é dele e só dele. Como Jimi Hendrix, outro gênio que passava longe da perfeição, Monk faz do erro um novo mundo e nos faz sentir que esse erro TINHA DE SER ASSIM. Sua mente e suas mãos, pesadas, pouco refinadas, moldam o barro seco de uma imagem de vida nova, de desafio, de liberdade. --------------- Gente como eles dá a ilusão de que todo iniciante exitante pode ser um executante de génio. Mas não é assim. Há um Monk, um Hendrix, um Gauguin. Eles não são preguiçosos que pouco praticaram. Não são inabilidosos. Eles são corajosos. Aventureiros. Se jogaram no mundo que criaram. São deles mesmos. Donos de sua arte. Inimitáveis e sem filhos.