ASSIM FALA ZARATHUSTRA - RICHARD STRAUSS

De forma básica a filosofia de Nietzsche diz que todos nós somos seres vivos, mas nem todos são homens. A maioria é um pato, uma ovelha ou um cão, mas para ser um homem é preciso ser livre, independente e trágico. Ser trágico significa ter consciência e de certo modo amar a precariedade da vida. Nosso destino é morrer, mas no caminho podemos ter a sabedoria de nos tornar homens. Essa filosofia, como todos sabem, é muito, muito perigosa. Na mente errada ela se transforma numa espécie de vaidade esnobe. Aquele que se considera um ser superior, um homem, olhará para os outros como meros animais. No extremo esse modo de pensar deu no Nazismo, mas toda tirania, inclusive todas de esquerda, tende a ver a massa como conjunto de bichos, burros e prontos para o abate, que precisam ser guiados rumo à verdade por algum ser iluminado, seja esse líder um general ou um intelectual. A filosofia de Nietzsche não tem culpa, pois todos esses assassinos não percebem ou não querem perceber o âmago de Nietzsche: O Individualismo. O homem que vê não vive dentro da sociedade, ele se isola mesmo entre outros seres. Guiar o rebanho é a negação absoluta de Nietzsche. O tal Super Homem volta as costas para a sociedade. Ele sabe que o caminho para a sabedoria é posse de cada um. O super homem está focado em seu percurso. Fazer política ou procurar formatar uma nação é coisa de lobo entre ovelhas, nada tendo a ver com a profunda humanidade do filósofo alemão. Tanto que ao perceber em Wagner o desejo de comandar uma revolução Nietzsche imediatamente rompe com ele. Não se iluda com o desserviço que seus herdeiros fizeram. A filosofia dele é irmã do budismo: cada um que encontre SEU guru e SEU caminho. ----------------- Richard Strauss não entendeu nada disso. Tão vaidoso quanto Wagner, de quem pegou muita influência, Strauss se via como um ser especial, superior, refinado, um heroi. Tanto que uma de suas obras fala das aventuras de um heroi, no caso, ele mesmo. No começo do século XX Strauss encarou colocar o livro de Nietzsche em música. Felizmente o filósofo já havia morrido. -------------------------- Não estou dizendo que a música é ruim. Strauss é um orquestrador maravilhoso. Aqui há música, muita música. É excitante, é instigante e jamais é entediante. É potente. Voce conhece seus primeiros acordes, a alvorada do homem. O modo como Strauss consegue levar adiante uma melodia que parece se encerrar em si mesma, é soberbo. Mas nada há de Nietzsche aqui. Strauss acha que o Super Homem é um tipo de alemão com espada e elmo, martelo e clava. Um homem que vence a neve, a fome e os inimigos. Nietzsche odiaria isso. O super homem de seua filosofia é um grego ou um romano, vive nú ao sol e bebe vinho. Ele dança. Ele navega. Ele pesca. A música de Zarathustra é mediterrânea. Jamais nórdica. Ela usa flauta, ela é leve e sensual, ela é quente. E trágica, claro, muito trágica. Ela dança à beira do vulcão, nunca à beira de uma geleira. Debussy está muito mais próximo de Nietzsche que Strauss. Ravel também. Alemães se irritam ao saber, mas França e Itália são mais super homem que a Alemanha. --------------- O cd que ouço tem a orquestra de Cleveland regida por Geroge Szell. Nota mil. Decca é a gravadora. Para completar o cd, temos Don Juan e As Alegres Aventuras de Till. Ambas são melhores que Zarathustra. São felizes. São sexy. São cheias de som. Ribombantes. Ouça.