VIRGINDADE.

   Fazia um calor dos diabos e eu corri pra janela e a fechei. ( Na verdade era um vitrô. Acho que hoje ninguém mais usa essa palavra francesa, vitreaux ). Os insetos começaram a bater contra a janela e eu ouvia o tunc tunc tunc de seus desastres aéreos. Era verão e acontecia a irrupção de uma nuvem de "oito". Oito era o nome que a gente dava pra um inseto voador formado por uma bola preta grande e uma menor, daí o oito. Eu estava no campo e era três da tarde quando vi a nuvem se aproximar. Corri pra casa da minha tia e me tranquei lá dentro. A coisa durou só uns cinco minutos, talvez menos. E logo a paz preguiçosa do verão voltou.
   Mas eu recordo outra nuvem, essa de cigarras, eu ao lado da minha mãe, e ela se defendendo com um guarda chuva que ela usava pra se proteger do sol. Ela e uma amiga conversando na rua, como se nada houvesse de estranho, e eu sentindo um aturdimento enorme. Os insetos se chocavam contra nossa roupa, caíam e voltavam a decolar. Como eu disse em outro post, a vida nunca estava longe da gente.
  Crianças têm olhos imensos e com eles bebem tudo que está ao redor. São as impressões que gravam como tatuagem no cérebro. A mente está ansiosa por receber imagens, virgem de impressões, e os olhos dissecam cada cor e cada movimento ao redor. Desse modo, uma teia de aranha é um universo completo e um tom de azul uma maravilha sem fim.
  A felicidade do adulto seria a de jamais ter perdido essa virgindade.