O CINEMA MORREU BEM DEVAGAR.

   Uma arte tem uma história. Toda arte fala com ela mesma, nega ou afirma aquilo que é. O cinema morreu. Morreu por volta de 2001. Morreu em longa e lenta agonia. A morte começou em 1995, ou antes, ou depois, não importa. Está morto. E o pior de tudo: ninguém tá nem aí. Ele nunca vai ressuscitar.
  Existem filmes. E talvez sempre existam. Mas não cinema. Filmes é toda imagem em movimento. Quando voce grava sua filha voce faz um filme. Cinema é outra coisa.
  Cinema tem de ser feito para uma tela grande. Para ser exibido em público, numa sala fechada. Cinema não tem pausas para propaganda. Ele é uma experiência grupal, ritual, rotina que se renova. Isso tudo morreu.
  Morreu e digo que morreu, e não só eu diz isso, porque ninguém mais vai ao cinema. Milhões de adolescentes vão aos shoppings ver heróis de quadrinhos. Eles vão ver HQs animadas. Algumas muito boas. Muitas ruins. Mas elas representam a arte de Stan Lee, de Jack Kirby, de John Buscema. Não a arte do cinema.
  O cinema morreu porque são os bilhões desses filmes que ainda sustentam os estúdios. E as salas abertas. Voce, eu e seu amigo não vamos mais ao cinema. E se vamos, é duas ou cinco vezes ao ano. Ou menos.
  Em 1980 TODO MUNDO ia ao cinema. Ir ao cinema era hábito. Havia filme pro pedreiro, para o garoto, para o nerd e para os casais mais velhos. O pedreiro não vai mais ao cinema. Nunca. Não há mais filmes para ele e nem para minha mãe. Nem pra mim.
  Há TV. Mas a TV é tão diferente do cinema como rock é diferente de jazz. TV não pede paciência. TV não tem planos abertos. TV pode se esticar por anos. TV pode errar hoje e acertar amanhã. TV é barato. Cinema é risco, é caro, não se pode errar. Cinema é uma chance e adeus. Cinema é fruição, apreciação, olhar que se abre. TV é prazer imediato. Tudo é agora e já. É pizza.
  Sim, tem coisas geniais na TV. Mas é TV. Não é cinema. Tem gente que confunde ator com cinema. Ator faz teatro. Diretor faz cinema. Roteirista faz os dois.
  O cinema morreu por culpa dele. Virou ópera. Virou música erudita. Jazz. Ballet. Uma arte que perdeu sua raiz porque parou de se olhar. Jogou sua história no lixo, desprezou sua raiz popular, virou coisa de banqueiro e de marqueteiro. E meia dúzia de caras faz filmes, coitados, pensando em arte viva. Sinto caras, é arte morta.