A MONTANHA MÁGICA- THOMAS MANN

   Hans Castorp. Esse nome será sempre especial para voce após ler as 900 páginas desta obra-prima de Thomas Mann. Hans é um jovem, mimado, que por volta de 1910 vai visitar seu primo, Joachim, numa clínica nos Alpes da Suiça. O primo, que deseja ser militar, se recupera de uma tuberculose. Lá, Hans conhece os vários doentes, participa da rotina do lugar e acaba por se apaixonar por uma russa, Clawdia. Estranho é que Hans acaba por desejar ser um doente, vê na doença uma condição "superior", especial. E adoece. A febre surge e nesse estado constante, acompanhamos seu desenvolvimento como homem. 
  O enredo é apenas esse. E Mann corre todos os riscos. Ele repete a rotina da clínica, descreve detalhadamente a doença de Hans e de todos os outros. Assistimos as mortes, várias, a dor, a sujeira e a calma aceitação de todos os doentes de sua condição fatal. Menos de um, o italiano rebelde Settembrini, que é a ovelha negra dentre os doentes. 
  O livro nos deprime. Mas ao mesmo tempo nos hipnotiza. Queremos acompanhar o que lá acontece. Queremos acompanhar porque Mann consegue criar gente de verdade. Todos os doentes, e são vários e variados, são vivos, interessantes, pulsam. E Hans, que muitas vezes nos irrita, principalmente em seu amor tolo por Clawdia, cresce lentamente, de erro em erro. Sua primeira conclusão é terrível ! Analisando a vida em termos quimicos ele chega a conclusão de que a vida nada mais é que a doença da matéria morta. A condição normal da matéria seria a não-vida, e o milagre da vida é como uma febre que ataca o não-animado. Vida é convulsão, estado doentio, a realidade é a rocha, a estrela explodindo, o espaço morto. 
  Febre. Toda a visão de Hans é febril. Na febre constante tudo se excita. Ele pensa e sente nesses constantes 38 graus. E acha que a vida verdadeira só pode existir nesse estado febril. Fora da febre, fora da doença só há a ilusão da saúde.
  O livro foi escrito entre as duas grandes guerras. A clínica é uma imagem da Europa que fez a primeira guerra ( assim como ele escreveria bem mais tarde Dr Fausto, uma saga sobre a mente que produziu a segunda guerra ). Todos na clínica aceitam tudo, são passivos em seu tratamento, e doentes, se acham superiores. Desprezam a vida. Desprezam a saúde. Se distraem em longos jantares, em jogos rotineiros, fofocas e risos bobos. Caminham alegremente para a morte. São comidos vivos pela tuberculose. E Thomas Mann descreve tudo com detalhes escatológicos. 
  O livro deixa febril quem o lê. Fiquei perturbado em sua leitura. Mudou meus dias, me tocou fundo, me fez sofrer. E mesmo assim foi um estranho prazer. É um dos cinco grandes livros do século XX. E o fato de ser um livro tão cruel diz muito sobre o que foi esse século.