Cada época recebe sua dose de liberdade, e nem mesmo o mais criativo dos artistas pode transpor esse limite. Frase de Kandinsky. Ele, o homem que criou a arte abstrata, arte livre que só poderia ter sido criada em seu tempo ( 1910 ) e que antecipou a primeira guerra em quatro anos. Pois todo grande artista é arauto de seu tempo. Ele revela o espírito inconsciente que rege a história. E o que Kandinsky nos disse? Ele exibiu a divisão que passou a vigorar desde então. De um lado a arte realista, toda fincada na solidez da matéria, na realidade unilateral dos sentidos, e do outro lado a arte do inconsciente, toda voltada para simbolos, para a realidade não aparente, busca de verdades misticas, miticas e atemporais. Se até o século XIX ainda se podia encontrar arte realista misturada a arte simbólica ( Cézanne, Gauguin, Turner ), agora a divisão se faz absoluta. Como diz Jung, a ruptura moderna entre mundo exterior e inconsciente se torna abismal.
Jackson Pollock irá levar isso aos limites do transe. Seus quadros dispensam a consciência, pintura feita em delirio. Estranha e maravilhosa coincidência, as pinturas produzidas pela alma de Pollock são idênticas aos intrincados labirintos da matéria mais microscópica. Na arte abstrata os limites são sempre o infinitamente pequeno e o cosmos em seus limites. Seria nossa mente um espelho do universo?
O fascínio e o desprezo que a arte abstrata desperta na maioria das pessoas, liga-se muito ao fascínio e ao medo que o inconsciente produz. Há quem olhe para Klee e nada consiga sentir. Como uma porta fechada, suas imagens perturbadoramente simbólicas e arcaicas podem ofender e provocar risos, medo e incompreensão, cegueira, ou a sensação de aventura, que é seu maior tesouro. Klee foi o pintor moderno que mais chegou longe. Seus quadros conseguem fazer o caminho ideal, a consciência conseguindo construir uma ponte segura até o inconsciente. Klee traz de dentro de sua mente as imagens mais básicas do que seja humano. Imagens da grande mente do universo.
Ao mesmo tempo Marcel Duchamp percebe a dignidade, o espírito, a fala nobre do objeto inanimado. Duchamp salva o objeto desprezado do lixo onde ele estava e o investe do poder espiritual de um tótem. Magicamente ele dá ao lixo o estado de sagrado. A mensagem é clara, Duchamp ao abrir as portas de sua cabeça percebe a vida como condição do mundo. Investe de dignidade a tudo. Garrafas, urinois ou trapos, tudo pode e deve ser vivo. Mas a guerra que chega faz o movimento contrário. Transforma a vida em lixo. Rouba a dignidade do mundo. E cria a grande cisão entre os universos. A dualidade do consciente e do inconsciente, do sólido e do abstrato, da matéria e da alma. Desde então a união se tornou quase impossível.
Alguns insistem. Schwitters faz uma catedral de lixo. Recolhe papel e latas e constrói uma catedral de 3 andares. Mas agora a abstração tem ares de desespero. De um lado a tristeza e a falta de sentido de um mundo em que só o que é material existe. Onde a vida se torna máquina de repetições previstas. E de outro o espírito acossado pela inutilidade aparente de suas palavras. Como protesto a alma se radicaliza. Pollock pinta sem uso da intenção, é puro inconsciente. O acidental se faz arte. A droga pinta e canta.
Marc Chagall conserva sua fé. Como fala Sir Herbert Read, Chagall jamais tirou um dos pés da sua infância, da pureza de sua aldeia, das histórias de sua familia, dos sonhos de sua comunidade. Read está certo. Como comentou Jung, Chagall conseguiu manter sempre a união equilibrada entre os dois pólos, ego e inconsciente, matéria e alma. O grande trauma do ocidente, a morte de Deus, nunca o preocupou. Daí a felicidade presente em suas obras. Quadros onde tudo é muito real e ao mesmo tempo onírico. Sem o desespero de Pollock, Chagall conseguiu fazer a alma falar e pintar.
O grande teórico sempre foi Kandinsky. Eis sua fala..."A importância de todas as grandes obras não repousa nas suas imagens, na superficie, mas sim na raiz das raízes. No conteúdo místico da arte." E ele ainda diz..."O olho do artista deveria estar sempre voltado para seu interior, e seu ouvido para sua voz íntima. Esse é o único modo de dar expressão ao que a via mística pede". Kandinsky descrevia seus quadros como uma visão espiritual do cosmos. Música de esferas, harmonia de cores e de formas.
Paul Klee, talvez meu artista favorito, acrescentava que essa visão mística só será válida se for construída com alguma estrutura. Eis aí a colaboração entre consciência e inconsciência. "'E missão do artista penetrar o mais fundo possível naquele âmago secreto onde uma lei primitiva sustenta seu crescimento. Que artista não desejaria habitar a fonte central do espaço-tempo? Esteja ele situado no cérebro ou no coração da criação, é de onde todas as funções extraem a seiva vital que as sustenta. Coração a palpitar, somos levados cada vez mais para baixo, em direção a fonte primordial. O ventre da natureza, a chave secreta de todas as coisas".
Essas palavras são de Paul Klee e nunca li nada melhor sobre a ansiedade criativa, a aventura que acomete todo o artista verdadeiro. O confronto com perigos, lugares sem nome. Anjos e risos de deboche. A aventura de nascer.
Jackson Pollock irá levar isso aos limites do transe. Seus quadros dispensam a consciência, pintura feita em delirio. Estranha e maravilhosa coincidência, as pinturas produzidas pela alma de Pollock são idênticas aos intrincados labirintos da matéria mais microscópica. Na arte abstrata os limites são sempre o infinitamente pequeno e o cosmos em seus limites. Seria nossa mente um espelho do universo?
O fascínio e o desprezo que a arte abstrata desperta na maioria das pessoas, liga-se muito ao fascínio e ao medo que o inconsciente produz. Há quem olhe para Klee e nada consiga sentir. Como uma porta fechada, suas imagens perturbadoramente simbólicas e arcaicas podem ofender e provocar risos, medo e incompreensão, cegueira, ou a sensação de aventura, que é seu maior tesouro. Klee foi o pintor moderno que mais chegou longe. Seus quadros conseguem fazer o caminho ideal, a consciência conseguindo construir uma ponte segura até o inconsciente. Klee traz de dentro de sua mente as imagens mais básicas do que seja humano. Imagens da grande mente do universo.
Ao mesmo tempo Marcel Duchamp percebe a dignidade, o espírito, a fala nobre do objeto inanimado. Duchamp salva o objeto desprezado do lixo onde ele estava e o investe do poder espiritual de um tótem. Magicamente ele dá ao lixo o estado de sagrado. A mensagem é clara, Duchamp ao abrir as portas de sua cabeça percebe a vida como condição do mundo. Investe de dignidade a tudo. Garrafas, urinois ou trapos, tudo pode e deve ser vivo. Mas a guerra que chega faz o movimento contrário. Transforma a vida em lixo. Rouba a dignidade do mundo. E cria a grande cisão entre os universos. A dualidade do consciente e do inconsciente, do sólido e do abstrato, da matéria e da alma. Desde então a união se tornou quase impossível.
Alguns insistem. Schwitters faz uma catedral de lixo. Recolhe papel e latas e constrói uma catedral de 3 andares. Mas agora a abstração tem ares de desespero. De um lado a tristeza e a falta de sentido de um mundo em que só o que é material existe. Onde a vida se torna máquina de repetições previstas. E de outro o espírito acossado pela inutilidade aparente de suas palavras. Como protesto a alma se radicaliza. Pollock pinta sem uso da intenção, é puro inconsciente. O acidental se faz arte. A droga pinta e canta.
Marc Chagall conserva sua fé. Como fala Sir Herbert Read, Chagall jamais tirou um dos pés da sua infância, da pureza de sua aldeia, das histórias de sua familia, dos sonhos de sua comunidade. Read está certo. Como comentou Jung, Chagall conseguiu manter sempre a união equilibrada entre os dois pólos, ego e inconsciente, matéria e alma. O grande trauma do ocidente, a morte de Deus, nunca o preocupou. Daí a felicidade presente em suas obras. Quadros onde tudo é muito real e ao mesmo tempo onírico. Sem o desespero de Pollock, Chagall conseguiu fazer a alma falar e pintar.
O grande teórico sempre foi Kandinsky. Eis sua fala..."A importância de todas as grandes obras não repousa nas suas imagens, na superficie, mas sim na raiz das raízes. No conteúdo místico da arte." E ele ainda diz..."O olho do artista deveria estar sempre voltado para seu interior, e seu ouvido para sua voz íntima. Esse é o único modo de dar expressão ao que a via mística pede". Kandinsky descrevia seus quadros como uma visão espiritual do cosmos. Música de esferas, harmonia de cores e de formas.
Paul Klee, talvez meu artista favorito, acrescentava que essa visão mística só será válida se for construída com alguma estrutura. Eis aí a colaboração entre consciência e inconsciência. "'E missão do artista penetrar o mais fundo possível naquele âmago secreto onde uma lei primitiva sustenta seu crescimento. Que artista não desejaria habitar a fonte central do espaço-tempo? Esteja ele situado no cérebro ou no coração da criação, é de onde todas as funções extraem a seiva vital que as sustenta. Coração a palpitar, somos levados cada vez mais para baixo, em direção a fonte primordial. O ventre da natureza, a chave secreta de todas as coisas".
Essas palavras são de Paul Klee e nunca li nada melhor sobre a ansiedade criativa, a aventura que acomete todo o artista verdadeiro. O confronto com perigos, lugares sem nome. Anjos e risos de deboche. A aventura de nascer.