O DISCO FAVORITO DE MACCARTNEY: PET SOUNDS, A OBRA TRÁGICA DOS BEACH BOYS

   Quando Paul lançou RAM, um de seus melhores discos, em 1970, muita gente se surpreendeu com a foto de capa: Paul e um carneiro. Não ficariam tão surpresos se soubessem que PET SOUNDS era seu disco favorito. Além do que, Paul sempre falara que God Only Knows era a mais bela canção de amor já feita. Pena que a paranóia de Brian Wilson tenha destruído sua carreira. Ele via Paul como um rival e apenas como um rival. O engraçado é que os dois eram "almas gêmeas", os dois gênios em melodia, em arranjos, em conseguir fazer do pop algo de sinfônico, de usar tudo o que um estudio oferece para aumentar o som. Os dois são também igualmente assexuados, apoliticos e donos de uma certa infantilidade ingênua, dado que os enriquece e não limita. Os dois viveram em mundo à parte, mundo feérico em que Paul jamais perdeu a chave de retorno e no qual Brian perdeu não só a chave como a consciência de lá estar. Falei que são gêmeos? Engraçado...ambos são do signo dos irmãos atados, gêmeos ( Dylan também é, o gêmeo amargo e mal-humorado ). Filhos de Maio/Junho, como são Morrissey, João Gilberto, Prince, Yeats, Lorca, Whitman e Pessoa....Mas este não é um texto astrológico!
   Phil Spector inventou o estúdio como instrumento. Em suas luxuriantes produções feitas em 1962, 63, 64... ele usava uma instrumentação absurda, wagneriana: trompas, timpanos, flautas, harpas, orgão, saxes, violinos, xilofones, acordeon, tubas....tudo para fazer musica pop e tudo soando como uma coisa coesa, única, ritmada e sutil. É desse produtor que Brian Wilson aprendeu tudo, o single Good Vibrations é o apogeu de seu talento e o lp Pet Sounds é a sinfonia de Brian.
   Não é rock. Os Beach Boys sempre tiveram dificuldade com esse rótulo. Desde Surfin USA, o que eles faziam era Pop. Burt Bacharach, Gershwin e as pop songs das bandas vocais negras dos anos 50 foram suas influências. I Only Have Eyes For You tem tudo aquilo que Brian faria. Brian, lider e cérebro do grupo, não se encaixa no rock porque nada nele remete a raiva, ao sexo ou a ação adolescente. É música polida, educada, de bom-tom, o que ele procura nunca é o dissonante, ele procura ( e encontra ) a beleza, a pura beleza. Mas, que surpresa, a gente percebe uma fissura nessa beleza, uma nota de angústia. Brian quer crer no sonho teen da Califórnia solar, mas topa em cada manhã com a névoa fria de San Francisco.
   A música de Pet Sonds é TomJobiniana. Brian, como Paul, não consegue ser "feio". Naturalmente ele harmoniza. Combina os sons, enriquece, aumenta, suaviza, arredonda. Ele usa montes de instrumentos, dúzias de timbres e o que poderia soar como uma tempestade, tem sempre o som de uma cantiga, de uma canção de ninar. A bateria não é usada para dar ritmo, ela pontua as emoções da música, o baixo não estilinga, ele embeleza a harmonia, a guitarra não sola ou cria riffs, ela comenta. Há uma canção, minha favorita, I Know There's An Answer, em que ele mistura banjo e sax. São dois instrumentos impossíveis de misturar. Mas Brian os casa a perfeição. O banjo não soa como banjo e o sax não se parece com um sax. Como ele faz isso?
   Se o pop-rock teve gênios, Brian Wilson é um gênio. Ele criou um estilo só dele, voce percebe que aquilo é de Brian só de escutar dois acordes. E levou esse estilo ao limite da criação. Após Pet Sounds só podia lhe restar o silêncio. Aturdido pelas vozes e melodias que ele não conseguia transformar em partitura, Brian se fechou para o mundo e passou a ser a nota dissonante do pop, em uma vida que jamais produziu dissonância.
  Pet Sounds é trágico.