Alexander Payne. É um diretor que acompanho desde 1998. Não faz parte do hype, portanto não tem a fama pop de Nolan, Fincher e Trier. Com Payne, nada de psicoses diabólicas, firulas de câmeras moderninhas ou temas ousadinhos. Payne conta histórias, de um modo elegante, adulto, simples. E voce sabe, ser simples é a mais dura das artes.
Barcinski acertou ao dizer que este filme lembra os filmes dos 70's de Hal Ashby. A mesma sutileza. Mas como estamos em 2012, ele não tem a intenção reformista dos filmes da década da inquietação. Payne é um pacificador. Seus filmes são sempre do bem. Mas não o bem idealizado, é o bem que nos resta, o possível.
Com os irmãos Coen, mais Tarantino, Curtis Hanson e PT Anderson, ele é dos poucos cineastas atuais que despertam minha curiosidade. Se Coen é o cineasta da surpresa e Tarantino o da diversão, Payne é o da finura. Veja este filme:
Voce pensa que a mãe em coma será o centro do filme. E que teremos mais um lixo em que o pai ausente passará todo o filme em crise de consciência e a mãe será vista em flash-backs como um tipo de musa. Não. Payne, sem grandes alardes, inverte as expectativas. A mãe é apenas um objeto inanimado e o pai não é um homem ruim em crise para ser bom. A mãe é que errou e ele é apenas um homem tentando acertar. O mesmo sucede com as duas filhas. Pensamos que vamos ter de aturar mais um filme com uma pequena criança geniosa e chorona, não, a criança apenas vive sua vida de criança. E quando surge a adolescente achamos que haverá uma série de crises entre ela e o pai. Não, ela ajuda o pai. É assim todo o filme. Uma expectativa é não-confirmada, sempre. Mas tudo sem grandes lances autorais, sem tiques de "olha como sou criativo", sem frescuras de "artista".
O centro não é a mãe, aliás. É a ilha. Ao contrário do que é dito, lá existe um paraíso sim. Eu amo aquela humidade, as plantas brotando de cada canto, a vida abundante. Mas assim como a mãe está morrendo, nós sabemos que todas as ilhas estão em coma. O centro do filme é a visão do imenso terreno que está a venda. É o paraíso. Quando a filha diz: -Mas eu quero acampar...", entendemos que a dor de Clooney pela infidelidade da esposa é supérflua. Essa raiva o moverá para fazer o certo. Não vender o paraíso.
George Clooney é o grande ator deste inicio de século. Apesar de detestar seu apreço por politica, é um ator que tem tudo. Sabe fazer drama sem parecer patético e tem um dom fantástico para comédia. Dom que Payne também tem. O filme não tem uma só cena de pastelão, mas o diretor/roteirista consegue extrair humor das situações mais dramáticas. Além de tudo raras vezes eu vi neste século a morte ser tratada de modo tão adulto. Jean Dujardim tem uma atuação de mais "gênio" em O Artista, mas se Clooney for premiado nada haverá de injusto nisso.
Destaque também para a maravilhosa trilha sonora feita de canções havaianas. São o contraponto daquilo que os homens vivem e daquilo que a ilha é.
Delicioso, bonito, simples, elegante. Alexander Payne deveria filmar mais. Faz poucos filmes, mas todos são interessantes e discretos. Os dois primeiros são os melhores, mas este é o mais ambicioso. Elegantemente ambicioso. Alexander Payne ainda crê na vida.
Sem familia, sem religião, sem aventuras e sem heróis, tudo o que fazia da vida uma experiência transcendente nos foi tirado. A única coisa que se colocou no lugar foi a ciência. Mas a ciência não pode nos ensinar a viver. No máximo ela nos ajuda a não morrer. Clooney é esse homem sem nada. Ele não sabe ser pai, não tem religião, nada percebe de aventuroso em seus dias e está longe do mundo de heróis. Tudo o que lhe resta é o frio caminho racional: deixar morrer, deixar vender. Mas mesmo assim, ao ser tomado pela ira, pela surpresa, pela dor, ele faz algo. E esse algo é a última das transcendências, ele protege a vida, nega o caminho óbvio, faz sua escolha.
Como aconteceu no ano passado com O DISCURSO DO REI, as pessoas desacostumadas a pensar não irão perceber a complexidade embutida na simplicidade. Verão aqui como lá, apenas um filme comum, bem feito, quase banal. Mas se no filme de Tom Hooper e Colin Firth havia uma profunda reflexão sobre a fragilidade humana; neste filme de Payne e Clooney temos uma visão sobre tudo aquilo que ainda pode nos salvar.
Em meio a crimes em série, heróis mascarados e efeitos sensacionais, é mais do que ótimo. É uma esperança.
Barcinski acertou ao dizer que este filme lembra os filmes dos 70's de Hal Ashby. A mesma sutileza. Mas como estamos em 2012, ele não tem a intenção reformista dos filmes da década da inquietação. Payne é um pacificador. Seus filmes são sempre do bem. Mas não o bem idealizado, é o bem que nos resta, o possível.
Com os irmãos Coen, mais Tarantino, Curtis Hanson e PT Anderson, ele é dos poucos cineastas atuais que despertam minha curiosidade. Se Coen é o cineasta da surpresa e Tarantino o da diversão, Payne é o da finura. Veja este filme:
Voce pensa que a mãe em coma será o centro do filme. E que teremos mais um lixo em que o pai ausente passará todo o filme em crise de consciência e a mãe será vista em flash-backs como um tipo de musa. Não. Payne, sem grandes alardes, inverte as expectativas. A mãe é apenas um objeto inanimado e o pai não é um homem ruim em crise para ser bom. A mãe é que errou e ele é apenas um homem tentando acertar. O mesmo sucede com as duas filhas. Pensamos que vamos ter de aturar mais um filme com uma pequena criança geniosa e chorona, não, a criança apenas vive sua vida de criança. E quando surge a adolescente achamos que haverá uma série de crises entre ela e o pai. Não, ela ajuda o pai. É assim todo o filme. Uma expectativa é não-confirmada, sempre. Mas tudo sem grandes lances autorais, sem tiques de "olha como sou criativo", sem frescuras de "artista".
O centro não é a mãe, aliás. É a ilha. Ao contrário do que é dito, lá existe um paraíso sim. Eu amo aquela humidade, as plantas brotando de cada canto, a vida abundante. Mas assim como a mãe está morrendo, nós sabemos que todas as ilhas estão em coma. O centro do filme é a visão do imenso terreno que está a venda. É o paraíso. Quando a filha diz: -Mas eu quero acampar...", entendemos que a dor de Clooney pela infidelidade da esposa é supérflua. Essa raiva o moverá para fazer o certo. Não vender o paraíso.
George Clooney é o grande ator deste inicio de século. Apesar de detestar seu apreço por politica, é um ator que tem tudo. Sabe fazer drama sem parecer patético e tem um dom fantástico para comédia. Dom que Payne também tem. O filme não tem uma só cena de pastelão, mas o diretor/roteirista consegue extrair humor das situações mais dramáticas. Além de tudo raras vezes eu vi neste século a morte ser tratada de modo tão adulto. Jean Dujardim tem uma atuação de mais "gênio" em O Artista, mas se Clooney for premiado nada haverá de injusto nisso.
Destaque também para a maravilhosa trilha sonora feita de canções havaianas. São o contraponto daquilo que os homens vivem e daquilo que a ilha é.
Delicioso, bonito, simples, elegante. Alexander Payne deveria filmar mais. Faz poucos filmes, mas todos são interessantes e discretos. Os dois primeiros são os melhores, mas este é o mais ambicioso. Elegantemente ambicioso. Alexander Payne ainda crê na vida.
Sem familia, sem religião, sem aventuras e sem heróis, tudo o que fazia da vida uma experiência transcendente nos foi tirado. A única coisa que se colocou no lugar foi a ciência. Mas a ciência não pode nos ensinar a viver. No máximo ela nos ajuda a não morrer. Clooney é esse homem sem nada. Ele não sabe ser pai, não tem religião, nada percebe de aventuroso em seus dias e está longe do mundo de heróis. Tudo o que lhe resta é o frio caminho racional: deixar morrer, deixar vender. Mas mesmo assim, ao ser tomado pela ira, pela surpresa, pela dor, ele faz algo. E esse algo é a última das transcendências, ele protege a vida, nega o caminho óbvio, faz sua escolha.
Como aconteceu no ano passado com O DISCURSO DO REI, as pessoas desacostumadas a pensar não irão perceber a complexidade embutida na simplicidade. Verão aqui como lá, apenas um filme comum, bem feito, quase banal. Mas se no filme de Tom Hooper e Colin Firth havia uma profunda reflexão sobre a fragilidade humana; neste filme de Payne e Clooney temos uma visão sobre tudo aquilo que ainda pode nos salvar.
Em meio a crimes em série, heróis mascarados e efeitos sensacionais, é mais do que ótimo. É uma esperança.