RIO

   Quem tem menos de quarenta anos vai achar esquisito, mas o Rio pra mim será sempre lugar de aristocracia. A cidade onde as pessoas são mais educadas, mais interessadas em arte e onde se valoriza mais a educação e a beleza da vida. Eu sei, sei que estou errado, mas essa é a cidade que existiu até 1982, juro que é verdade!
   Mas o mundo muda, as coisas pioram e melhoram e o Rio mudou porque o Brasil mudou. Estou relendo "Ela é Carioca", pra mim é o melhor livro do Ruy Castro, uma enciclopédia, com verbetes e tudo, sobre Ipanema, e só Ipanema. Eu cheguei a conhecer o fim dessa idade de ouro carioca, e ler esse livro me dá uma grande alegria e ao mesmo tempo uma sensação de que aquilo tudo foi um sonho, nada de verdade. Caraca, eu tou ficando velho!
    Todo mundo queria ser carioca nos anos 70, tanto queria que quem não podia odiava o Rio com uma paixão de amante cornudo. Namorar uma carioca era ser invejado por todos os amigos. Passar um fim de semana lá era in e todas as girias elegantes nasciam em Ipanema. Assim como a moda. Da Company à Richards todas as marcas bacanas vinham daquelas areias. E que moda!!!! Muita pele morena, muito cabelo queimado, muito adereço, muita roupa branca e nudez total. Um verão que era pra sempre. Séculos antes de sertanejos, calypsos e axés, música nascia no Rio, seja samba, bossa, romântico e até rock. São Paulo tinha Rita Lee e a Bahia tinha um monte de baianos...que moravam no Rio.
    O que mais sobressai, e Ruy fala disso, é que havia um culto à beleza. Um hedonismo saúde total. Todos queriam ser bonitos, queriam coisas bonitas e belo era a saúde, a pele escura e um jeito de leveza natural. Sem maquiagem, sem retoques, sem remédios. Daí o culto ao Rio, a praia, a nudez sem operações e botox. Indios civilizados. Luxo, calma e muita volúpia.
   A gente acreditou naquilo tudo. Lembro de carnavais em que senti estar no melhor lugar do universo em todos os tempos. Que o Rio era o exemplo do máximo dos máximos. Muita alegria, muita festa, e tudo muito free. Dava pra crer na felicidade, que é muito mais que alegria. E como toda aristocracia, o Rio tinha centenas de duques, condes e rainhas. Gente que parecia nunca trabalhar, cujo único motivo de vida era ser "carioca". A anos-luz da influência protestante do trabalho-como-dignidade-humana, ser um come-dorme era motivo de orgulho. Playboys detonando dinheiro, deslumbradas queimando heranças... e daí? Como esse povo era bonito!!! E como se vestiam bem!!! Era um despojamento chique, uma simplicidade equilibrada que dava dor de cotovelo em paulistas e gaúchos.
   O Rio tinha a praia e não precisava mais nada. Milênios antes dos arrastões. Sol e choppe e carnaval e reveillon ( ainda se falava muito francês ), e ainda o deboche e o domingo no Maracanã. A vida como a arte de se brincar e rir de tudo.
   Mas veio a década de 80 e a coisa quebrou. O medo do sol, o medo da favela, o medo da aids, o medo do desemprego, o medo de ser ridiculo, o medo do medo. O feio então se tornou um bem, o sério se fez confiável e o que era bonito se fez inutil. A aristocracia morreu ou foi relegada a papéis de palhaços. Desandou o Rio, desandou Ipanema, e o Brasil passou a ter sonhos mesquinhos, o maior deles o de ser Miami.
   Este livro, que é mágico, lindo, colorido, eufórico e belo é uma ode de amor a Ipanema, ao Brasil, a tudo.