ELA É CARIOCA -RUY CASTRO ( A FILOSOFIA DO PRAZER SEM LUCRO )

   Prédios de quatro andares, um bairro onde todo mundo se conhecia. Tinha o clube mais exclusivo do Brasil ( o Country. Fundado por ingleses, 480 sócios desde a fundação. Sabia que um dos sócios foi um ex-campeão de Wimbledon? E que esse cara, chamado Bob é o fundador do Bob's ? Essa é a espécie de pioneirismo que digo ser nativa de Ipanema, foi a primeira lanchonete do Brasil. O Bob original a vendeu em 1979 ). A gente lê esse livro e fica sabendo do primeiro bar-do-Rio que existiu, esse tipo de bar que hoje em SP tem um em cada esquina,  aqui chamado de bar pra "gente bonita", gente tipo Ipanema, né? O povo lá era bonito, e bem educado. Ruy lista as escolas do bairro e quem estudou onde e com quem. Vai de diretores de cinema a jogadoras de volêi ( Jacqueline e Isabel, claro, do tempo em que vôlei era esporte de gente educada ). Lógico que é um povo da elite, privilegiados. Mas em Higienópolis também havia muita grana, mais até que em Ipanema, só que em Higienópolis, Pacaembu ou Morumbi se criou o que? Existe uma "Garota da Alameda Franca"?
   O Brasil era isolado, periférico e não tinha a menor vergonha disso. Não queríamos ser como Miami ou igual a Londres. Tudo bem, até tinha uma certa paixão pela França, mas os franceses da época queriam ser como o Brasil, o que igualava tudo. A gente olha pra música brasileira hoje e pensa: O que é isso? Deve ter gente boa, mas eu falo daquilo que toca no rádio, daquilo que vai ser a trilha sonora deste tempo. Tem como alguém dizer que a coisa melhorou? Não sou fã de Bossa-Nova, mas Tom Jobim, talvez o músico mais elegante do século, já dizia que o Brasil nunca mereceu a Bossa-Nova, que pra se entender a BN tem de se ter uma namorada e andar de barco. Eu sempre senti isso. Que Ipanema era um tipo de Brasil ideal, um país platônico, belo, inteligente, limpo e engraçado. Não podia durar.
  Ipanema de verdade dura de 1950 até 1968. E com muito boa vontade dá pra esticar até 1979. Depois é o crime, a especulação imobiliária, a droga pesada, a pura barbárie. O começo em 1950 : Reuniões em casas abertas a noite toda. Amigos que iam às casas de outros amigos, coisa de cem pessoas, e ficavam bebendo, ouvindo música a noite toda. Depois iam para a areia dormir. Nessas reuniões de uma juventude ociosa e ansiosa, nasciam planos de fazer musica, cinema, teatro e Tv, ou carnaval, revistas e viagens. Daí vieram alguns botecos, alguns bares, e depois as primeiras lojas. E o sucesso. Ipanema se torna a praia mais famosa do mundo. O fim em 1979: a tanga de Fernando Gabeira e o Circo Voador. Gabeira, guerrilheiro perigoso, volta do exílio. Uma multidão vai o esperar no aeroporto. Ele surge de pantalonas coloridas, camiseta justa e se dizendo bissexual. No dia seguinte está em Ipanema com uma microsunga de croché lilás. Ao mesmo tempo o Circo Voador era construído pelo pessoal do ASDRÚBAL TROUXE O TROMBONE. A trupe havia crescido tanto desde 1974, que montaram uma tenda nas areias de Ipanema e abriam a coisa das sete da manhã às onze da noite. Shows, peças, capoeira, aulas, tudo que fosse criativo e alegre. Logo foram despejados. A Ipanema de então, 1979, eu já me recordo. O verão de 79 para 80 foi talvez o mais alegre da história do Brasil. Basta pensar nisso: os exilados voltavam, as revistas eram agora sem censura, filmes liberados, um otimismo pleno de que tudo seria bom pra sempre, a onda da saúde e de se "transar o corpo numa boa", surf e skate começando a virar moda, era instituída a "psicanálise tropical" por Eduardo Mascarenhas, sol sem medo de câncer de pele, droga só maconha, Joãozinho Trinta e uma onda de musicas "desencanadas" e programas de TV criativos e sem nenhuma vergonha. Mas o melhor de tudo: o Brasil criava, copiava muito pouco. Foi um verão em que me entupi de Jorge Ben e de Moraes Moreira ( em 1984, meu ano mais snob, morreria de vergonha desse verão ), de praia com Coca-Cola e de Carnaval ( até hoje recordo a Portela daquele ano ). A gente sentia um puta orgulho de ser do Brasil. E ainda dava pra saber que todo domingo tinha Zico, Júnior e Adilio jogando e se eles jogam o prazer tá garantido. Se hoje a palavra chave é SUCESSO, em 1979 ela era PRAZER.
   E ainda agora me dá uma estranheza quando algum amigo me pergunta o porque de eu fazer tal coisa. Jamais me passa pela cabeça que alguma coisa deva ser feita para se ter sucesso. As coisas são feitas por prazer, não é? O sucesso é fazê-las tendo prazer, não? Essa filosofia, tão estranha para os filhos dos anos 80 é básica para os que não negaram 1979. Ruy Castro é de 1969, ele sabe disso. A vida não é para se fazer alguma coisa com um objetivo de ganho. O ganho real é fazer por prazer. Isso era Ipanema.
   É um prazer ler então os perfis desse povo que fez esse momento de brilho. Tom, Danuza Leão, Daniel Más, Arduino Colasanti ( esse é meu ídolo ), Domingos Oliveira, Leila Diniz, Arnaldo Jabor, Eduardo Mascarenhas, João Saldanha, Gerald Thomas, Carlinhos, Elizabeth Gasper, Vinicius, Rubem Braga, Paulo Francis, Cazuza, e mais 300 nomes de artistas, pescadores, bares, boates, lojas, esquinas, gatas, gatos e gaiatos. Uma festa, nossa Paris anos 20, nossa New York anos 50.
   Um tesão de livro, e se voce quer ter prazer, leia com vagar, ao sol, com um chopp do lado, uma musiquinha de fundo, e uma menininha, bonitinha, passando bronzeador. É um livro inútil, sem objetivo, sem nada de ambicioso, meio bobo. Mas e daí? Ele é bonito e é um prazer. Entendeu?