Era fim de tarde. Era março, 1993. Mesa a calçada, cervejas sobre a mesa, todos os amigos já haviam partido. Ficamos eu e Fabio. Ele bêbado, eu estava alegre. Foi quando o espirito baixou em mim. Minhas mãos viraram pássaros e minha mente um mar cheio de peixes. As ideias nadavam. Eu falava sobre o sabor da vida e sobre as mulheres. Mulheres como fêmeas da espécie, como frutas doces. Lobas que podiam matar. O maior enigma da natureza. Para quem leu e se apaixonou pelo livro ( na minha vida ele não é um romance, é um manual de sobrevivência ), já notou que eu acabara de reler Zorba, de Kazantzakis, mais uma vez. Ao sol sob pinheiros, na cama com meus cachorros, Zorba fora relido em dezembro de 1992. Com Fabio, um cara sempre apaixonado, sem friezas e firulas, meu espirito neto de camponês, espirito de inumeráveis gerações de gente feita de pedra, terra, chuva e vento, com cheiro de estrume, de couves, de azeite e de vinho, companheiras de cabras e de porcos, esse meu espirito aquietado podia se expandir. Meus olhos viam a mulher de fogo dançando nua a minha frente. A Mulher.
Jean Giono viveu no mesmo tempo que Kazantzakis. Lutou na Primeira Guerra. E viu tanto horror que se fez pacifista radical e anti-dogmas. Natural da Provence, aos 25 anos resolveu aprender a ser escritor. Leu tudo durante cinco anos e então escreveu. Fez imenso sucesso nos anos 30/40, mas após a segunda guerra, com a moda dos comprometidos, dos politicos de esquerda, dos existencialistas, ele começou a ser visto como direitista. Mentira! Ele sempre foi mais que politico. Um democrata no sentido puro e um cristão primitivo. Os anos 60 e 70 o reabilitaram. Giono é hoje um tesouro da França. Neste livro, curto, ele narra a descoberta da vida entre pastores. Estamos na Provence de 1930. Aqui tudo são pedras, vento, ovelhas e silêncio. A filosofia de Giono é a de Zorba: O homem é um bicho. E quanto mais distante da natureza mais distante de TODAS as verdades. Toda alegria é do reino animal. Nas coisas naturais, além do mal e do bem, amorais, vivem deuses. Incontáveis deuses. Jesus é uma estrela pequena na noite de estrelas sem fim. O homem se perde quando se acha diferente dos bichos, diferente da Terra, diferente das estrelas.
Mas voce, homem biológico, não se engane! Há alma em pedras, em mares, em terra e no vento. O pastor sabe disso. Ao romper essa comunhão o homem rompe sua verdade. Deixa de ouvir, perde o dom de compreender e foge da alegria. Único bicho a ter rompido essa união, o homem sente a solidão da árvore sem raiz.
Ao final do livro os pastores encenam um auto na noite de São João. Nessa peça, a Terra fala com o Rio, o Mar, o Vento...
Por séculos meus tataravôs conversaram com ovelhas, cabritos, cães. Passaram semanas cantando para videiras, rosas e pessegueiros. Lavavam a pele com azeite e bebiam água gelada das pedras. Sem tempo, o ano tinha quatro momentos: plantar, fazer a poda, colher e guardar. O dia era dividido em três grandes horas: acordar, almoçar e retornar. A noite era dos lobos, das bruxas e da coruja. O pai era enterrado pelo filho, a mãe era chorada na praça e cada filho tinha o nome de um morto. O sino era a lembrança.
Quando nasci ainda senti um gosto desse mundo. Agora ele vive longe, mas dentro do centro de mim.
O livro de Giono é maior que a lingua.
Jean Giono viveu no mesmo tempo que Kazantzakis. Lutou na Primeira Guerra. E viu tanto horror que se fez pacifista radical e anti-dogmas. Natural da Provence, aos 25 anos resolveu aprender a ser escritor. Leu tudo durante cinco anos e então escreveu. Fez imenso sucesso nos anos 30/40, mas após a segunda guerra, com a moda dos comprometidos, dos politicos de esquerda, dos existencialistas, ele começou a ser visto como direitista. Mentira! Ele sempre foi mais que politico. Um democrata no sentido puro e um cristão primitivo. Os anos 60 e 70 o reabilitaram. Giono é hoje um tesouro da França. Neste livro, curto, ele narra a descoberta da vida entre pastores. Estamos na Provence de 1930. Aqui tudo são pedras, vento, ovelhas e silêncio. A filosofia de Giono é a de Zorba: O homem é um bicho. E quanto mais distante da natureza mais distante de TODAS as verdades. Toda alegria é do reino animal. Nas coisas naturais, além do mal e do bem, amorais, vivem deuses. Incontáveis deuses. Jesus é uma estrela pequena na noite de estrelas sem fim. O homem se perde quando se acha diferente dos bichos, diferente da Terra, diferente das estrelas.
Mas voce, homem biológico, não se engane! Há alma em pedras, em mares, em terra e no vento. O pastor sabe disso. Ao romper essa comunhão o homem rompe sua verdade. Deixa de ouvir, perde o dom de compreender e foge da alegria. Único bicho a ter rompido essa união, o homem sente a solidão da árvore sem raiz.
Ao final do livro os pastores encenam um auto na noite de São João. Nessa peça, a Terra fala com o Rio, o Mar, o Vento...
Por séculos meus tataravôs conversaram com ovelhas, cabritos, cães. Passaram semanas cantando para videiras, rosas e pessegueiros. Lavavam a pele com azeite e bebiam água gelada das pedras. Sem tempo, o ano tinha quatro momentos: plantar, fazer a poda, colher e guardar. O dia era dividido em três grandes horas: acordar, almoçar e retornar. A noite era dos lobos, das bruxas e da coruja. O pai era enterrado pelo filho, a mãe era chorada na praça e cada filho tinha o nome de um morto. O sino era a lembrança.
Quando nasci ainda senti um gosto desse mundo. Agora ele vive longe, mas dentro do centro de mim.
O livro de Giono é maior que a lingua.