BRUNO BETTELHEIM E A INFÂNCIA
Estou lendo o livro de Bettelheim sobre os contos de fadas. E adianto aqui uma bela informação. Crianças acreditam e devem acreditar no mundo anímico, mundo onde tudo é vivo e tudo pode falar. No mundo dela, animais sentem como humanos, pedras podem ser vivas, o sol nasce porque ele quer e cada dia é povoado por anjos, fadas e mistérios. Pois bem, se esse universo é violado por uma adulto, se ele não pode, por alguma razão, se plenamente uma criança, na idade adulta ela irá compensar essa perda. Como? Sendo a caricatura de uma criança. Crendo em ganomos, magia, astrologia, no querer é poder. --------------- Vejo diante de mim um homem de 40 anos. Ele usa uma blusa do Snoopy e bermudas listradas. O cabelo tem uma franja roxa e na mão ele carrega um livro sobre o poder das fadas. Tenho a certeza que ele teve pais que o obrigaram a aprender inglês aos 3 anos, ciências aos 5 e ser responsável aos 6. Ou pior, ele foi exposto ao mundo cru do sexo aos 7. Esse homem abobado, pronto para crer em qualquer bobagem que um adulto lhe diga ( sim, pois a mais trágica característica do adulto infantil é que ele crê em tudo que um adulto lhe diz, desde um cometa que irá bater na Terra, até o mais delirante socialista cínico ), esse homem de ursinho na mão ou essa mulher que parece uma pubscente aos 50 anos são aqueles que pautam o poder que domina o planeta hoje. Pautam, mas não comandam, isso porque os Soros, Putin, Trump ou Gates da vida foram crianças infantis e são adultos bastante realistas, tão realistas que sabem que ninguém é mais fácil de ser dominado que um adulto criança. Alguém como Musk sabe lidar com o mundo real porque viveu a fantasia quando ela estava presente em seu cérebro infantil. Entenda, um artista genial tem um pé na infância porque ele recorda o que viu aos 4 anos, ele viu porque viveu lá. Isso é totalmente diferente de um adulto que sente saudade de uma infância que ele nunca teve e chora com Bambi idealizando a criança que ainda vive nele porque jamais pode existir de fato. ------------------- A grande meta desta geração é poder ser criança para sempre. Penso que não pode haver meta mais vazia de sentido que essa.
O MONÓCULO, CONTO DE ALDOUS HUXLEY
Um homem usa um monóculo. Rico, jovem, ele anda pela rua na Londres de 1925. E se sente confuso. O monóculo foi comprado como um disfarce. Com ele, sua intensão era criar um "tipo", parecer mais seguro. Mas ele sente que para as pessoas pobres ele parece tolo e para seus amigos ricos, um pretensioso. Vai à uma festa e não entende o que faz lá. Um sulafricano bêbado zomba de sua cara, um amigo lhe quer tirar dinheiro e a moça que ele quer está envolvida com o sulafricano. Vai com um amigo para a rua, já bêbado e pensa, pensa, pensa.... --------------- Huxley faz aqui um conto de mestre. Entenda, escrever um conto perfeito é uma arte rara. Conseguir dizer tudo e conseguir criar personalidades reais em poucas páginas é ato de que domina uma técnica. Completamente. Entendemos tudo sobre o narrador, sua culpa por ser rico, o fato de não se sentir bem em ambiente nenhum, sua sovinice, sua falta de força. Ao mesmo tempo entendemos o quanto a reunião dos amigos lhe é insuportável, a chatice das pessoas repetindo sempre as mesmas piadas, os mesmos elogios, os mesmos gestos. Ele é um inadaptado, um outsider e este é um dos melhores contos dos anos 20, tempo em que se escreveram os melhores contos da história. Isso porque foi um tempo de extrema transição, de revoluções, de novas modas, de liberação total. Tudo o que voce acha que aconteceu nos anos 60 e 70 foi plantado nos anos de 1920. Leia e se delicie.
NO TEMPO DAS DILIGÊNCIAS - JOHN FORD. VOLTEI A VER FILMES...
Hoje é o dia, após 14 meses, volto a ver filmes. Várias circunstâncias me fizeram parar. Meu aparelho de DVD quebrou. E cinema me recuso a ir. Serviços de filmes na TV não me interessam assinar. E estive ocupado com amores, livros, música e muito trabalho. Wellll.... tenho, pela última vez que contei, mais de 2.500 dvds, qual seria o primeiro a rever? Entenda que eu adoro rever meus filmes. Vi tanto filme na vida que 90% deles é como ver pela primeira vez, e claro, há aqueles que sempre retorno, são como ouvir um LP que voce adora, não canso de rever. Penso então em começar pelo melhor, Hitchcock. Mas não seria melhor um dos Irmãos Marx? Pego um John Ford. Recomeçar pelo começo, pelo Homero do cinema, pelo criador da linguagem do cinema. Qual filme? Nenhum dos meus favoritos, NO TEMPO DAS DILIGÊNCIAS não está entre os que me emocionam e será um bom teste para ver se ainda amo o cinema como amei sempre. -------------------- Começa e estranho. Ficção visual. Fique mais de um ano sem ver nada, nem série, nem novelas, nem filmes, nada e sinta o choque. Durante uns 5 minutos eu fiquei meio a deriva. Estranho. Mas aos poucos fui pegando o ritmo. Audio visual é isso, um ritmo. Voce precisa entrar na dança das imagens. Começo a dar os passos certos. Entro no filme. ----------------- Um grupo de pessoas, que não se conhecem, tomam uma diligência para viajar. Mas os índios estão em guerra e a viagem é um risco. O filme, muito famoso, muito bem feito, tem as marcas típicas de Ford, imagens lindas e personagens imensos. Ford amava pessoas e as filmava com respeito. Quando vemos Ford temos que lembrar que se trata de um homem do século XIX. Em seu mundo não há a descrença na humanidade. Ele ainda tem raizes. Ele ainda crê em várias coisas, família, nação, virilidade, feminilidade, dever, progresso, civilização. -------------- John Wayne se tornou um astro aqui, ele é Ringo, um bandido. O close que Ford dá, assim que Ringo surge, é um presente dado a um amigo. Já se disse que a diligência é um símbolo da nação americana. Os USA em miniatura. Tem um irlandês bêbado que é médico e boa gente. Um banqueiro ladrão. Uma mãe correta. Um missionário que vende bebida alcoolica. Um cavalheiro sulista que é jogador. E no centro de tudo, um bandido que é heroi e uma prostituta expulsa da cidade. Para Ford, os herois da América são eles, os dois marginalizados de bom caráter. O mito do rebelde. ( Do jazz ao rocknroll, da pintura abstrata ao político outsider, tudo nos USA tem como foco essa imagem do cara fora do círculo que brilha como referência. ----------------- Eu havia esquecido que o filme termina com um duelo na cidade e que o fim lembra aquele de Casablanca. E eu esquecera também o prazer de ver um filme bem feito. Não, ele não é monumental como os grandes Ford. Mas é um ótimo filme. Voltei!
DUAS OU TRÊS GRAÇAS - ALDOUS HUXLEY
Novela lançada em 1926, começamos a ler e logo encontramos o modo do Huxley dos anos de 1920: levemente satírico, bem descrito, vasto, elegante, crítico com discrição. O narrador, um jornalista bem estabelecido ( em 26 a profissão de jornalista ainda era digna ), homem racional, calmo, sem paixão. Bondoso. Ele reencontra um colega de universidade, um homem horrivelmente chato. Nesse ponto pensamos que o texto será focado nesse chato, uma crítica às pessoas enfadonhas. Mas não. O foco muda para o marido da irmã desse chato, um outro chato e lemos tudo sem sentir chatice nenhuma. É uma delícia. Surge então a irmã do primeiro chato, esposa do segundo chato e o narrador começa a sair com ela. O foco muda mais uma vez, achamos agora que o tema é o romance entre os dois. Eles vão a concertos, a museus, ela se abre com ele e o narrador percebe ser ela uma pessoa bondosa e vazia, uma criança entediada. Mas não se envolvem, a amizade é real. O foco muda. Ele a leva a conhecer um charlatão, um pintor modernista da moda. O foco agora é outro, é uma sátira ao modernismo vazio, modista, fake. Ela se envolve com o pintor e vira sua amante. Ela muda, se torna uma mulher moderna, liberada, sem culpa. Nela há o impulso por imitar e ela imita ao artista. Não há amor, ela se volta, como faz o pintor, ao hedonismo total. Mas o artista termina e ela fica sem chão. Passa a flertar com todo mundo, se torna quase vulgar. E então conhece mais um amigo do narrador, o intenso Kingham, um sádico. ----------------- Nesse ponto, nas últimas 30 páginas, o livro desanda. Huxley não é bom em histórias de paixão verdadeira, ele brilha como narrador filosófico. De todo modo, eis uma novela que se lê depressa, com vivo interesse, onde todo personagem parece vivo e temos vontade de, em certas páginas, dizer que se trata de uma obra prima. Mas não é. O que fica é um quase no ponto.
SOMOS BARROCOS SEM FÉ
Li dois livros sobre o Barroco, um de Tapies e outro de Bazin. A coisa é bacana e tem a ver com sua vida de hoje, então leia. ------------- A Renascença foi época de valorização da calma, da ordem, da coisa feita com pureza de linhas, limpeza. Apesar dos arroubos de Michelangelo, nada é tão definido assim, a renascença tinha a ambição de ser grega, racional. Então veio a reforma de Lutero bagunçar tudo e a igreja Católica lança a contra-reforma. Ora, protestantes limparam as igrejas de enfeites, de imagens. A relação do fiel com Deus era a mais austera possível. Nada de santos ou anjos. Era sua alma com Ele. A reação do papado foi aumentar a riqueza, impressionar fieis pela imagem, pela assomboza beleza do Divino. É claro que não é tão simples, mas basicamente foi isso. Foi nesse momento que se criou uma divisão de visões de mundo. O norte austero, dando ênfase ao trabalho, ao dever, à limpeza, a ordem. E o sul europeu entregue a inspiração, a riqueza, ao exagero, ao impulso instintivo. O mundo barroco é mundo de super população de imagens, de arabescos, de curvas e ondas, de movimento, principalmente movimento. ---------------- Não é difícil distinguir uma pintura ou uma escultura barroca de uma clássica ou renscentista. A imagem clássica está sempre parada, posando, sem ação. É o momento congelado que define uma obra. Já no barroco tudo é movimento. A escultura está se movendo, a pintura foi pega em meio a uma exaltação. Tudo não está prestes a acontecer, tudo está acontecendo. Por isso nosso mundo, de movimento de incessante, de exageros, de ruído está muito mais afinado com o barroco que com o mundo clássico. Posto duas obras primas do barroco e as duas têm o mesmo efeito. Em meio a tanta beleza seu ego como que se dissolve a voce entra em uma outra realidade. É a procura da epifania e do êxtase. Quanto ao valor da obra, ela nos humilha. A habilidade de fazer coisas assim foi perdida. Não tenho a menor dúvida de que o apogeu do gênio humano já passou. Os últimos 3 séculos são de longa agonia.
O JOGO NA TERAPIA
Não é fácil viver em meio ao jogo de interesses que é a vida. Interesses afetivos, financeiros, desejos de segurança, de pertencimento. Somos mamíferos, precisamos do outro para existir. Dentro desse jogo, aprendemos desde muito cedo, a usar uma estratégia, e essa estratégia pode ser chamada de máscara. A máscara é aquilo que somos na presença de um outro, do público. Ela é tão cômoda, tão ajustada que acreditamos sermos apenas ela e nada mais. --------------- Aprendemos, observando, a agradar papai. A ter dele aquilo que desejamos. Ou de mamãe. Mas podemos também, por decepção, aprender a evitar papai. A se manter livre dele. Usaremos uma estratégia e provavelmente a levaremos vida afora. -------------------- Seremos o CARA ENGRAÇADO. Ou então o CARA QUE AGRADA-SEDUZ. Poderemos fazer o AMIGO ÚTIL ou o DOIDO. O que importa é que assim que recebemos um ganho com essa estratégia nos acomodamos nela e não mais iremos a largar. Em pouco tempo passamos a crer que somos uma estratégia e não um conjunto imenso de possibilidades. ---------------- Na minha adolescência ser rebelde era ter como estratégia, ou máscara, o SER ROQUEIRO. Cabelo comprido, jeans, cigarro, moto ou prancha de surf. A partir daí havia todo um jogo bem definido. Por ser do Rock, eu era deste modo e não daquele. Hoje esse rebelde usa cabelo azul e tem sexo indefinido. A consequência é a mesma: ele adotará um código rígido e se sair desse código irá perder o GRUPO, deixará de ter um papel "seguro" naquele palco. ----------------------- Acabamos reféns de nosso hábito. Como autômatos bem programados, paramos de reagir naturalmente e agimos automáticamente. Dentro do papel habitual. Para ser amigo de João devo continuar sendo o que sempre fui. --------------- Quando eu tinha 24 anos precisei ir à terapia pois meu papel na vida havia sido rasgado. Eu não queria mais aquela estratégia. Lembro que meu terapeuta me disse algumas vezes : " voce não precisa ser o paciente mais interessante do mundo". Por que ele dizia isso? Eu não entendia então. Hoje sei que eu criara uma estratégia: ser interessante sendo um neurótico complexo e bem esquisito. Era mais um papel e ele logo percebeu. ------------------ No espaço da terapia voce não precisa de um papel e a terapia funciona quando isso ocorre. Se voce é no jogo do mundo um ser charmoso, lá voce pode dispensar esse charme. Se voce é o engraçado simpático, não há porque ser dentro daquela sala de terapia. Voce pode e deve ser um nada de nada, para então começar a ser, talvez, voce mesmo. --------------- Mas por que isso acontece na terapia? -------------- Explico. Voce joga na vida para não perder o que possui e vir a ter o que precisa ( ou acha precisar ). Então, sem notar, voce segue um caminho fixo. Com Isabela sempre serei o amigo compreensivo porque sei que com ela "funciona". Desse modo não vou perder Isabela. Com minha sala de curos de história sou um intelectual satírico, pois sei que eles adoram isso e assim eu os "conquistei". Se eu não for assim, se eu mudar, posso OS PERDER. Ou seja, perder meu lugar seguro. --------------- Com o terapeuta não. Por mais chato, tolo, agressivo, inutil, inconsequente que eu seja, daqui a uma semana ele estará lá, na mesma sala, do mesmo modo, com a mesma disposição. Claro que eu o pago para isso, e o ato de pagar faz deste jogo um jogo limpo. É por dinheiro, mas por saber que ele não irá faltar eu me libero. Não preciso o seduzir. Eu o pago. ----------------- Lentamente vou me acostumando a esse novo jogo, onde eu não tenho obrigação nenhuma, apenas a de pagar, e assim não necessito ser o que sempre fui. Posso ser outro, talvez, com o tempo, me torne EU MESMO.
OS DOIS NEURÔNIOS
Há gente que tem apenas dois neurônios, e por isso enxerga tudo em termos de SER contra ou SER a favor. Explico. ---------------- José mora em Goiás. Nada contra. Ele pegou seu carro, e foi prestar ajuda aos moradores da cidade do Paraná que sofreu a tragédia do tornado. José é bolsonarista. Como pensa o ser com dois neurônios? Sou contra bolsonaro, portanto, sou contra esse tal José. Foda-se ele. A mesma coisa acontece com Pedro. Ele ajuda cães abandonados. E o cara de dois neurônios é contra Pedro porque ele votou em Lula. --------------- Para entender um ser humano, tentar o conhecer, são precisos bilhões de conexões cerebrais e mais uma imensa dose de intuição e de educação. Sim, voce tem todo direito de odiar qualquer um dos dois, mas dê motivo para isso, um bom motivo. --------------- Pensar em termos de contra ou a favor é pensar em termos de futebol, sou contra o Vasco porque sou Flamengo. Fim. Isso serve para torcer, mas não para julgar nada. -------------- Falei em julgar? Eis um belo exemplo! Juizes julgam, mas no STF eles torcem sempre. Tanto que eu tenho a certeza de que voce sabe o veredito antes do julgamento começar. Aliás, até a pena já se sabe. Eles a anunciam em jantares cheios de risos. --------------- Usar dois neurônios também favorece sua paz de espírito, paz hipócrita, mas é um tipo de paz de avestruz. Se centenas de pessoas estão presas por terem invadido um prédio público, sem armas, sem feridos, e pegaram 14 anos de pena sem direito à recurso, voce fica em paz e nem sente pena ao pensar que eles são DO OUTRO LADO e portanto, inimigos. Veja, voce não os conhece, voce não os individualiza, são como ratos, todos iguais. ------------------ Por outro lado, voce pede a individualização de gente armada que atirou na polícia. Voce grita para que cada um fosse julgado individualmente. Na realidade voce apenas torce, não pensa. Eles são dos meus, e são dos meus porque meus rivais não gostam deles. Fim. ----------------------- Eu gosto de Jung. De Henry James e de Nabokov. Adoro Bergman. Cinema francês e Bartok. Bergson e Wittgeinstein. Bebo e nada tenho contra erva em si, odeio o modo como ela é vendida. Sexualmente não creio em fidelidade. Não tenho religião definida. E sou bastante anti esquerda. Porque usando meu cérebro vejo que ela nunca funciona, e no caso brasileiro, é tragicamente mentirosa e desonesta. Me identifico com Milei e Meloni. Acho Trump um cara eficiente e sei que Bolsonaro foi apenas um bobo e isso não é crime. Mas veja, se voce tem dois neurônios eu sou apenas UM CARA FASCISTA. Não interessa meu discurso ou o que faço. Pouco interessa minha história e minha moralidade. Eu sou Vasco e voce é Flamengo. Vamos morrer nos ofendendo. --------------------- Para quem se interessar, a teoria dos dois neurônios é de Olavo de Carvalho, aquele cara que foi me ensinado ser um perigoso nazista e que ao o conhecer descobri ele ser antes de tudo um humanista cristão. Olavo adivinhou tudo que aconteceria no Brasil após a queda da Dilma. Na mosca. --------------------------- Humanos são complexos. Conheça-os antes de os julgar.
SEXO E RISOS
Eu tinha 30 anos quando vi meu primeiro filme pornô. Era um dvd explícito. Fiquei chocado. Espantado com a tristeza daquilo. O sexo parecia em luto. ---------------- Uma amiga estava me contando, ela é jovem, de uma experiência sexual dela com um homem da minha geração. Ela adorou mas riu muito por causa das coisas que o homem falava. Foi então que me veio essa constatação: educados sexualmente com a Playboy, as piadas do Juca Chaves e do Costinha e as pornochanchadas brasileiras e italianas, minha geração vê o sexo como deboche, esbórnia, piada, carnaval de salão. Para nós o sexo foi vendido como ato de rebeldia, mas rebeldia alegre, adolescente, um alívio. ----------------- Minha amiga me diz que hoje não se brinca com sexo. É coisa séria sim. Não se ri no pornô atual. Se sofre. Se "come" a mulher. É tudo urgente. Há tensão. Há agressão. O prazer está no gozo, na ejaculação e nunca no riso, na brincadeira. ----------------- A transformação do sexo em ato sem alegria foi mais uma etapa da amortização da rebeldia no mundo. Um povo triste e com medo é fácil de ser dominado. Gente sem riso não pensa em mudar nada. Se submete à dor e a rotina. Por isso temos hoje um rock sem força, cinema sem hedonismo, arte sem sensualidade e até o sexo, veja só, sem risos. Para minha geração sexo será sempre uma alegre sacanagem.
SEM CONTRA-BAIXO NÃO DÁ!
Leio uma matéria onde se diz que a música feita hoje não tem contra-baixo. Na mixagem atual o som do baixo é eliminado. Agudos em volume ao máximo e sons graves mal definidos, é esse o timbre dos anos 2020. Waaaaaaallllll ( esse Waaaaalllll eu roubei do Paulo Francis ), eu ouvia hoje uma faixa maravilhosa do Wheater Report pré Pastorius, era Miroslav Vituous no baixo. A coisa é um frenesi erótico. E nessa hora percebi algo bem óbvio ( o óbvio demora para ser percebido ): toda música boa tem um som de baixo sublime. E provo: Beatles. Sim, Beatles. Repare. Tudo é guiado e embelezado por Paul. Abbey Road pode ser chamado de uma obra prima do contra baixo. Rolling Stones. Note o som do baixo em Jumpin Jack Flash, Gimmie Shelter, Under My Thumb, todos os clássicos. Não vou falar da música negra, eles sabem do valor do baixo. Eles sabem que o som do baixo não entra pelo ouvido, ele entra pelo umbigo, vem do chão e sobe para dentro do seu corpo. Mas veja Led Zeppelin. Deep Purple. As linhas de baixo do Iron Maiden. O modo como Bowie usou o baixo nas suas mais modernas canções. Os grandes baixistas do progressivo. Cream. E mesmo um grupo sem um baixista, como os Doors, tinham um som grave que era o que levava tudo adiante. No começo da década de 80 os baixos pulsavam influenciados pela disco music e pelo reggae. Mesmo que esse baixo fosse um teclado. E nos anos 90 Flea dos Chilli Peppers deu a dica: o baixo era o rei. Nas raves o que levantava o povo era o momento em que o som grave ficava em looping infinito. Uma festa para umbigos e outras partes íntimas. ---------------------------- Mas de repente, mais ou menos em 2010, isso mudou. O som baixado em phones não comportava o grave e se apostou nos agudos e nos sons de lata. A música virou uma sopa de sons compactados em alto volume. O estéreo morreu. A alta definição, cada timbre limpo em seu canto não fazia mais sentido: para que ficar dias mixando uma faixa se ninguém vai prestar atenção? E súbito desabou. A música se tornou uma voz e uma massa de som. E só isso. ------------------ Stanley Clarke toca agora em meu quarto e eu me balanço sem saber. É o contra baixo que me toma pela barriga. E eu deixo ir.
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