O RIDÍCULO ONDE NÃO SE FALA RIDÍCULO

Entre as pessoas que convivo, principalmente entre os mais jovens, não se usa a palavra ridículo. Um dia hei de escrever sobre as palavras extintas, mas não agora. Ridículo. Chamar algo de ridículo não pega bem. Tem- se a burra crença de que ao não nomear de ridículo uma pessoa ou uma situação, o ridículo desapareça. Vivemos no momento mais ridículo da história. Bach está banido de Oxford porque alguns alunos foram poupados do merecido rótulo de ridículos. E a entertainer Anitta fez uma palestra em Harvard porque ninguém se sentiu livre para dizer a verdade: Ridículo! ---------- Uma dose generosa de insensatez, pitadas de vaidade e de má educação, mais alguns gramas de estupidez: eis o ridículo. É aquilo que ofende a visão, o ouvido e o paladar. Ofusca a visão, ensurdece a harmonia e enjoa o paladar. ---------------- Estou a ler LUCIEN LEUWEN de Stendhal. 1835. Último livro do grande escritor. O deixou incompleto e não pode o revisar. Lucien é um jovem sem sangue azul, porém rico, muito rico. Se alista para mostrar seu valor ao pai. Aquartelado em Nancy, num tempo sem guerra, morre de tédio. Passa a frequentar a nobreza da cidade. Lucien é republicano assim como Stendhal o foi. Mas sabe disfarçar suas opiniões. Com 23 anos, Lucien é ainda um adolescente. Exibido, porém inocente. Stendhal escreve simples. É moderno. Nada das longas descrições de Flaubert, nada das digressões de Balzac. Stendhal é objetivo. Mas é escritor da era do romance, do século XIX, e por isso nos dá aquele tipo de livro que o século XX não mais poderia ter: o que se saboreia, se admira, se observa, se tem vagar. No tempo do cavalo e do trem, o tempo se acelerava, mas ainda permitia a fruição de um romance. Quando vier a era do avião e do carro, o romance será ruidoso, mais acelerado e de certo modo confuso. Hoje? Hoje tudo é fragmento meu querido.... ------------------ Por que falei do ridículo? Porque em todo o romance o que guia todos é o medo do ridículo. Lucien cai do cavalo duas vezes, usa um uniforme exagerado, se apaixona, gasta exibicionisticamente, e se vê em análises longas onde tudo se resume a: estarei sendo ridículo? Serei alvo de escárnio? Não me comporto como esperam? O século XX verá nascer o desejo de ir contra o que se espera, e o XXI, parece, deseja esquecer a palavra ridículo e com ela o escárnio. Se Lucien e todos os outros não tivessem a os pressionar o medo do ridículo, e de suas filhas, a deselegância e a rispidez; o romance perderia seu sentido. Foi dito e não é novo, que em uma sociedade sem regras não existe o que narrar. Tudo se aplaina em entediante "tanto faz". Sem o ridículo tudo se torna, em graus diversos, ridículo. E se a regra passa a ser o grotesco, não há mais a chance de se produzir sátira ou ironia. Se todos o reis estão nus, gritar que o chefe está sem roupas se torna inutil. ---------------------- Ver Lucien se fazer homem é um prazer sublime.