O VERMELHO E O NEGRO DE STENDHAL, NADA MAIS A DIZER SOBRE O AMOR.

   Pascal sempre foi o enigma, o nó do pensamento francês e um de seus postulados é aquele que diz que sem Deus o tédio se torna absoluto. Stendhal é ateu, e sabe que existe uma ânsia dentro do homem que nada de físico pode preencher. O burguês foge dessa ansiedade satisfazendo todos seus desejos. O homem superior sente essa vontade e corre o perigo de perder todo o interesse pelo mundo. A melancolia e o tédio se fazem seus companheiros. Porém existe um modo não religioso de resolver esse vazio, o amor entre homem e mulher. O erotismo.
   ( Faço aqui um adendo:: Rousseau disse que a alegria plena pode ser vivida ao se conseguir transformar o dever, que nos é dado pela sociedade, em desejo individual. O dever de procriar e ter uma familia se torna um jogo erótico de desejo. Dever que se faz desejo assumido individualmente pelo homem. Hoje não acontece exatamente o oposto? O desejo não se transformou em dever? )
   Para Stendhal o amor erótico é um modo de se substituir o impulso da religião, de se alcançar o sublime. Mas, para se poder alcançar essa altura é preciso uma grande dose de amor-próprio, aquela estima a si-mesmo que faz com que o egoísmo natural a todos nós se transforme em vontade de ser reconhecido. Esse desejo de ser reconhecido, reconhecido como ser único, se direciona a pessoa amada. Ela, por ser única, deverá reconhecer o amor de quem a ela se dedica.
  Allan Bloom ama Stendhal. Como eu também penso, nenhum autor jamais soube com tanta arte falar sobre o amor para aqueles que amam. Ele jamais é meloso, seu texto é incrivelmente veloz, objetivo. As coisas acontecem com rapidez e em poucas páginas já conhecemos os personagens e por eles estamos seduzidos. Julien Sorel, em O Vermelho e o Negro ama Napoleão. Vindo de meio medíocre, ele em ódio por burgueses, que vivem acomodados na busca do prazer simples, e pela aristocracia, que não o aceita. Por vingança ele seduz a esposa de seu patrão. A conquista como Napoleão, por amor a si-mesmo. Se surpreende ao perceber que ela realmente o ama e ele se derrete no sexo cheio de erotismo dos dois. É descoberto e foge. Seduz a filha nobre de seu próximo empregador. Ela, intelectual revoltada, arma com ele um jogo de poder. Na verdade os dois disputam a liderança, quem é o escravo e quem é o senhor. Um acidente ocorre ao fim, e não irei contar o final. O que posso dizer é que Julien morrerá jovem e Stendhal tirará desse fato toda sua filosofia. O que vale é viver. O burguês vive para viver longamente, o homem superior vive intensamente, sem se preocupar com duração e sim com qualidade. Julien morre feliz, no cadafalso. porque morre conhecendo o amor, pleno de gozo e de certeza de ter vivido.
   Não conheço livro mais alegre, nobre, cômico, erótico e romantico.