TRÊS GRANDES FILMES DE MICHAEL POWELL E EMERIC PRESSBURGER

Como disse Scorsese, entre 1943-1953, Michael Powell e Emeric Pressburger produziram a filmografia mais variada e rompedora de limites da história do cinema. Assisti nesses dias a 3 filmes da dupla, Powell dirigia e escrevia, Pressburger escrevia e produzia. SEI ONDE FICA O PARAÍSO ( I KNOW WHERE I'M GOING ) é um filme de 1945. Da filmografia de Powell, é o que foi mais recentemente alçado à categoria cult. George Romero ama este filme, assim como Coppola. O famoso estilo de Powell é levado aqui ao limite. Que estilo é esse? O de cortar aquilo que todo filme mostra e exibir aquilo que normalmente os filmes evitam. Dou um exemplo: O filme fala de uma moça inglesa que recebe uma proposta de casamento de um milionário. O casamento será numa ilha no extremo norte da Escócia e para lá ela se dirige. O filme mostra sua chegada lá, seu contato com a vida da ilha e sua mudança de vida, de pessoa controlada e cheia de método, ela se abre ao não planejado. Pois bem, quando a filha ( Wendy Hiller, brilhante como sempre ), diz ao pai, em um pub, que irá se casar, todo filme mostraria a reação do pai, a descrição do noivo pela filha. Mas não aqui. Ela conta que vai casar e o pai a convida para dançar. E quando achamos que durante a dança tudo será discutido, POWELL CORTA A CENA e o que vemos é ela subindo no trem e partindo. Para o filme, não importa a reação de pai e de filha, o que interessa é a partida e é só isso que nos é dado assistir. Powell é sempre assim. Aparentemente seus filmes podem parecer convencionais, porque não ousam em movimentos de câmera, truques de iluminação, não apelam ao sensacional, ( The Red Shoes é uma excessão ). Sua profunda originalidade mora na escrita, naquilo que se conta. A noiva chega à ilha e lá há uma tempestade. Também mal se mostra a chuva e a destruição, o que importa é que ela fica presa na cidade e conhece um escocês, Roger Livesey faz o papel. Ele se interessa por ela, ela não por ele e o romance é discreto, travado, sem nada de romântico. O filme é só isso: um passeio pela ilha, uma festa dos moradores, um castelo em ruínas, um homem que ama falcões e uma águia, um moço que tem um barco, um telefone. Não há herois, não há clima de romance, não se busca a beleza. Tudo é sóbrio, e mesmo com tanto realismo, não se tem aqui aquele tipo de "obra realista francesa ou italiana" onde o diretor do filme toma o posto de heroi em filmes sem herois. O que acontece é que voce gosta de estar na ilha, no filme, na companhia do filme. Original, não uma obra prima, nem mesmo um grande filme, mas sim um filme que se ama. Discretamente. ------------------ CORAÇÃO INDÔMITO ( GONE TO EARTH ) é de 1950 e é um dos fracassos de Powell. David O. Selznick, o gigante egocêntrico que produziu E O Vento Levou, contratou Powell e Pressburger para produzirem um sucesso para sua esposa, a ótima Jennifer Jones. Filmando em Gales, o filme é tudo que Selznick não queria: Original. O que o americano fez? Pegou o filme pronto, cortou montes de cenas, filmou um novo final e assim destruiu a obra. O que vejo em DVD é ele inteiro, refeito, como Powell o queria ( graças a Coppola houve a recuperação do filme ). Na Gales do fim do século XIX, vemos a história de uma moça do campo, rebelde, meia bruxa, que protege uma raposa dos caçadores. Um religioso casa com ela, mas o nobre do lugar a deseja e a seduz, levando-a para sua casa. Ela volta ao pastor, mas o povo do lugar não aceita isso e a situação se torna sem saída. Como Powell conta essa história? Com cenas que mostram Jennifer Jones correndo pelo campo, com a presença do clima local ( a fronteira Gales-Inglaterra ), mostrando os bichos ao redor das pessoas, o céu que se move, a relva verde, os cavalos, a sujeira dos casebres, a grosseria do nobre vaidoso, o modo como ela não é dona de sua vida, ela vive toda ao sabor da natureza, sem decidir nada. Dizem que poucos filmes mostraram de modo tão real o que é o interior de Gales, sinto pena é que em 1950 quase ninguém o viu e mesmo nas décadas seguintes ele passou apenas uma vez na TV americana e na vesão truncada. Scorsese o viu quando tinha 9 anos de idade e nunca esqueceu. É impressionante o modo como os filmes de Powell marcam a memória não com suas histórias ou grandes cenas, mas com uma imagem, um clima que se fixa dentro de nós. É um filme belíssimo. --------------------- Por fim o muito dramático DE VOLTA AO PEQUENO APARTAMENTO ( THE SMALL BACK ROOM ) de 1949. Imagine o choque...Powell acabara de ser aclamado pelo imenso sucesso, popular e artístico, de The Red Shoes, e em seguida, em vez de fazer um filme que lembre seu sucesso, produz este filme, sobre guerra, alcoolismo e com um modo terrivelmente pessimista. David Farrar, numa atuação soberba, é um especialista em explosivos, um tipo de cientista, que trabalha em um departmento do governo, em Londres, durante a guerra. A missão de seu grupo é descobrir como desativar uma nova bomba nazista. Veja que o filme é sobre a guerra mas não sobre batalhas. Não haverá um só tiro, um soldado, um avião, nada. O foco é todo nesse cinetista, no alcoolismo dele, na esposa que o adora, no horrível sofrimento que ele sente, na perna que doi, na sua auto-piedade, sua fraqueza. Todo filmado em bares, salas escuras, no apartamento do casal, no trabalho, nada há aqui que lembre "beleza" ou "poesia" e mesmo assim é um filme belíssimo. O elenco explode em atuações de entrega total e o filme, para quem conhece Powell, surpreende por ser diferente do Powell dos anos 40. Aqui se anuncia o diretor dos anos 60, moderno, duro, objetivo, frio, aquele que faria o doentio Peeping Tom. É o mais forte dos 3 filmes, mas não o melhor pois o melhor é impossível de ser apontado. ----------------------- Um maravilhoso prazer poder os assistir.