SANGUE, SUOR E LÁGRIMAS - WINSTON CHURCHILL

   Frequento sebos a já trinta anos. Meu primeiro foi o velho Bagdá Books, que ficava na rua Joaquim Floriano. Foi fechado em 2010. Desde sempre eu via nesses sebos a coleção dos Prêmios Nobel, da editora Delta em capa dura. Um volume para cada vencedor do prêmio sueco, tendo no livro a biografia do autor e uma obra do contemplado. Essa coleção se encerrou em 1968, portanto Kawabata foi o último livro.
  Minha primeira compra foi o volume de Yeats, adquirido em 1993. Com o correr desses anos, essa coleção variou de encalhe de sebo, onde cada volume valia 10 reais, ao que é hoje, item difícil de achar. Um dos sebos que frequento comprou a coleção inteira de um particular e levo um susto ao ver que o Yeats que possuo vale agora 100 reais. O mais caro é Camus, 300 reais. Dois Churchill, dos quais falarei agora, custam 160 reais, 80 cada um. Churchill é o único na coleção que saiu em dois livros.
  Muita gente não sabe que ele ganhou o Nobel de literatura. Foi em 1953. Antes de Heminguay portanto. Claro que houve muito de homenagem ao herói de guerra, mas Churchill foi um grande autor e escrever foi sempre um de seus mais dedicados trabalhos. Além de vários livros biográficos, Winston lançou uma história da civilização de língua inglesa, monumental, e uma história da segunda guerra. Aqui temos os discursos que ele fez entre 1938-1940, os anos onde ele preparou a Inglaterra para a guerra.
  Parece chato? Discurso de político? Pois é...esquecemos a arte do discurso. Churchill nos faz lembrar o que isso foi um dia.
  No mundo grego e romano, a arte da oratória era a maior de todas. Saber falar em público, saber se dirigir ao público, era uma arte que requeria dom e aprendizado. Eles colocavam esse prazer acima do teatro e da escultura. Cicero, Seneca, Marcial, todos foram mestres da retórica, a arte de falar. Nós perdemos esse dom em algum ponto do século XIX. No século XX o orador já era visto como caricatura. Churchill foi em tudo um homem do século XIX ( apesar de ter vivido até 1954 ). Ler seus discursos é mais que ler algo de belo, é aprender a raciocinar. Ele expõe, argumenta, defende sua tese e convence. Então passa a unir em uma ideia quem o escuta. E carrega avante um povo. Não, nada de discurso de filme de guerra, não! Ele jamais é apelativo e muito menos emocional. Nada de chantagem ao patriotismo. Isto não é Hollywood. Churchill é aristocrata. Sua voz é sempre fria, quase impessoal. Ele ergueu a nação usando a elegância, e afirmando a identidade de todo cidadão. Em sua totalidade os discursos são um rememorar. Nós europeus somos assim. Nunca se esqueçam disso. Devemos defender nossos valores. São nosso maior tesouro. Essa a base de toda sua oratória.
  Lendo os discursos acompanhamos tudo que aconteceu no mundo entre 1938-1940. E eis a prova: Sim, Churchill nesses anos pregou sozinho. Vemos incrédulos a Alemanha tomar a Austria e a Tchecoslovaquia, e a Europa, passiva, tentar fazer acordos diplomáticos com Hitler. Vemos a Polonia sendo cercada e depois repartida entre alemães e russos ( sim, Russia já em 40 ), enquanto o presidente dos EUA, Roosevelt, mandava mensagens para Hitler ter bom senso! Bom senso! Causa espanto ver em 1940 o congresso americano aprovar um adendo de neutralidade. Os EUA se afirmavam NEUTROS em relação à Europa.
  Vemos a Bélgica cair enquanto seu rei se entregava alegremente. Vemos a França perder a guerra em UM MÊS! Um mês! Lemos o magnífico discurso de Churchill sobre Dunquerque, afirmando que não há o que comemorar, uma retirada jamais é motivo para comemoração. Atrapalhados, os ministros ingleses esperaram até o último instante para crer na guerra. Causa hoje asco perceber como eles nunca acreditaram que Hitler fosse um perigo, quiseram crer que a Alemanha jamais iria querer correr o risco da guerra, tentaram BAJULAR Hitler todo o tempo. A filosofia mundial era: Oh...deixe Adolf pegar a Austria, talvez ele se acalme...deixe Adolf pegar a Noruega, quem sabe ele pare por aí....
  Churchill clamava desde  1938: Vamos unir a Europa contra a Alemanha. Eles não atacarão a Noruega se souberem que a Suecia e a Dinamarca lutarão juntas. Não irão invadir a Bélgica se souberem que a França e a Inglaterra irão a defender. Ninguém ouviu. Ele ainda falava algo que hoje é  provado estar certo e que na época parecia mentira: a paz pode ser garantida com uma nação fortemente armada. Não se consegue a paz em acordos assinados, Hitler rompeu todos eles, a paz se consegue quando há o temor do revide. URSS e EUA jamais entraram em guerra só por esse motivo. Israel não foi riscado do mapa por isso. A India nunca aniquilou o Paquistão por temer as bombas do vizinho. Churchill, sempre pragmático, dizia que a democracia e a liberdade só poderiam ser defendidas com um exército forte, e que cabia à Inglaterra, único país europeu a jamais em sua história ter tolerado um tirano, a defesa do direito mundial. Mussolini tomava Etiópia e Albânia, Hitler tomava a Polonia, Franco reinava na Espanha, a Russia era uma ditadura bolchevique, cabia ao povo inglês salvar a liberdade ameaçada. Esse o apelo central: Lembrar do que eles foram e se armar para continuar a ser o que se é. Retórica base do conservadorismo saxão: Ódio à tudo que signifique ameaça aquilo que voce é. Essa mensagem calou fundo na mente dos britânicos. Todos logo se alistaram.
  PS: Se no século XX a arte da retórica foi extinta, devo dizer que no XXI é a arte da conversação que morre. A conversa, que nos século XVII era chamada de a mais fina das artes, desaparece agora de nosso mundo. Não há conversa quando não se escuta.