LIVIA, ENTERRADA VIVA - LAWRENCE DURRELL. SEU MELHOR LIVRO?
Há alguns posts atrás eu escrevi sobre o QUARTETO DE ALEXANDRIA, quatro romances de Durrell escritos nos anos de 1950 e que são sua obra mais famosa. Durrell foi, até a década de 80, autor muito lido. Hoje bem menos. Penso que seus livros voltarão um dia. Voltarão quando uma geração menos farmacêutica, menos covarde tiver deixado de ditar normas. A vida e escrita de Durrell são, como a de Henry Miller, excessiva, sem freios, desabalada, colorida, quente ao extremo. Vivemos a época do cinza e Durrell é vermelho. Romances hoje são tristinhos, ele é puro desespero. Pois bem...LIVIA faz parte do QUINTETO DE AVIGNON, cinco romances escritos nos anos de 1970, já na velhice do autor inglês. Como diz o título, eles têm por centro Avignon, cidade que foi o centro dos Templários e sede do papado por um breve período. Livia é uma alemã bissexual que anda pela noite vestida como homem. O livro se passa em 1938, às portas da guerra. Mas Livia é na verdade apenas uma das personagens, o livro foca muito mais em Blanford, um escritor inglês insone, solitário vagando por Paris e Avignon, que se casa com Livia, é abandonado, e sofre até mais não poder. Há ainda um príncipe egípcio muito rico, frio, esperto, e um lorde inglês que acredita ser Hitler uma boa pessoa ( sim, isso existia na Europa até 1939. As classes mais ricas europeias investiram muito dinheiro no governo nazista. Acreditavam que Hitler era um capitalista que faria a Alemanha crescer e que devolveria com lucro tudo que lá fosse investido. Imagina-se o quanto os nazis riam deles. E perceba o quanto isso é evitado por livros e filmes que contam a história da guerra ). Weeellll..... O mundo é sempre dos espertos e o que vemos neste livro são pessoas que nunca entendem o rumo da história. O que Durrell nos mostra é que a enterrada viva se chama EUROPA, continente que nunca se recuperou da destruição suicida da segunda guerra. Após o desastre, o cetro do espírito mundial ficou vago e foi então dado à América. O problema é que os USA, e pior ainda a URSS, nada tinham a oferecer em termos de religião, filosofia ou modo de construir uma nova civilização. Tudo o que os USA tinham era dinheiro e disposição ao trabalho e isso passou a ser a única filosofia do mundo. No lado comunista havia ideologia única e ordem totalitária, mais nada. Toda a história evolutiva do ocidente foi interrompida, enterrada, sufocada. Perdeu toda auto confiança. O tal "cetro" moral do mundo foi passado a quem não o queria. ( Os USA ainda hoje têm um desconforto com o poder que jamais foi problema para Inglaterra, Espanha ou Roma ). Os personagens são as vítimas passivas da passividade europeia. Os líderes exitaram. Poderiam ter esmagado Hitler em 1932 ou em 35. Fizeram negócios. Confiaram. Apoiaram. Foram de uma ingenuidade absurda. ( Somente Churchill bradava contra Hitler, mas o inglês aristocrata era tratado então como um tipo de fanfarrão saudosista da velha Inglaterra guerreira ). -------------- O romance de Durrell, escrito em estilo mais simples que aquele de sua juventude, é então o enterro da Europa, o fim não de uma era, mas a morte de uma civilização. É belo.