CRENÇA NO IMPROVÁVEL, O AMOR.

   É lógico que o amor não existe. O que chamamos de amor é uma invenção artificial, mera fantasia criada por poetas. O que existe e pode ser provado é a excitação do sexo e o desejo de procriar. O que nos une a alguém é nossa vaidade e nosso medo de estar só.
   Mas o amante continua amando apesar da lógica.
   É lógico que Deus não existe. Criação artificial, fantasia de gente infantil com medo da vida e do vazio que é o mundo. Vaidade e medo, apenas um consolo.
   Mas o homem de fé continua acreditando.
   Digamos que voce seja dono de um carro. E que voce saiba tudo sobre esse carro. Como ele funciona, de onde ele veio, como ele deve ser guiado. Voce até mesmo leu um manual de direção. E sabe imaginar a sensação de dirigir.
   Mas digamos que voce nunca dirigiu.
   Esse é o erro básico de ateus falando sobre religião. Leram tudo sobre ela, sabem o que é e como funciona. Até mesmo imaginam o que seja a fé. Mas jamais estiveram dentro dela. Sabem toda a teoria, desconhecem qualquer tipo de prática. Seus textos, para quem conhece o que seja fé, são irrelevantes.
   Escrevo isto porque Marcelo Coelho me surpreendeu com um texto extremamente superficial. Ele fala sobre um grupo antirreligioso inglês que anda escrevendo nos metrôs: "Provávelmente Deus não existe. Então, pare de se preocupar e aproveite a vida."
   O que seria aproveitar a vida? Coelho fala de Francis Spufford, um autor inglês que rejeita esse grupo. Diz que a frase é tipica daqueles que têm o mercado como religião.É a fé da propaganda: Joguemos fora o que é velho e sejamos felizes!!! Coelho também acha a frase idiota, mas se perde ao mostrar, para ser fiel a sua fé no ateísmo, afinal, intelectuais são proibidos de crer, que um deficiente crer no bondoso Deus seria também uma crueldade. Deus bondoso? Desde quando? Jesus tentou ensinar a bondade. Tentou e foi traído. Deus não é bondade. Ou maldade. É o todo. Essa ideia é inalcansável para aquele que só leu o manual.
   Esqueçamos o texto de Coelho e vamos a frase. Ela diz, "pare de se preocupar..." Mas não são os ateus que se preocupam com Deus? Crentes não se preocupam com Deus. Eles obedecem dogmas. Não se preocupam. Aproveitar a vida. O que é aproveitar a vida? Ateus aproveitam a vida? Como e porque? Não crer em Deus é aproveitar a vida? Que tipo de vida? É outro conceito tipico de quem nunca esteve dentro da fé e apenas a conhece em imaginação. Para esses, ter fé é ser limitado, quando na verdade não ter fé é deixar de ter uma das maiores possibilidades que a vida oferece, a crença na própria vida. Naquilo que ela tem de eterno, de atemporal, e sim, de mágico.
   Voltando a Coelho.
   Ele diz que se pode viver sem crer. Será? O amor é tão "improvável" quanto Deus, e crer no amor é viver mais completo. Há quem creia em Marx, em Darwin ou em Freud. E como ocorre com as religiões, essa crença ajuda o fiel a suportar a vida e a perceber algum sentido na confusão. Me parece que viver sem crer é impossível. O completo descrente não existe. E toda crença é improvável para quem não crê.
   A grande questão nunca é colocada por qualquer e por todo ateu:
   Se Deus existe ou não é irrelevante. O que importa é crer no improvável. Ter a força de acreditar em algo que é improvável, essa é a graça da fé. E é esse tipo de sentimento que é incompreensível aos ateus.
   Gostaria de colocar outra questão.
   Porque existe uma militância antirreligiosa? Qual seu objetivo? O que incomoda tanto em toda religião?
   Termino falando do texto de Pondé de segunda-feira ( mal escrito esse texto...)
   Pondé fala de intelectuais como seres especialmente arrogantes. Todos eles com suas quedas por ditaduras, pensamento único, todos pensando ter a chave da verdade única.
   Concordo. Intelectual, por mais que isso lhes doa, é como padre: Está sempre no púlpito pregando. Anda pela rua em silêncio de igreja, ou falando e nunca escutando. Dono da verdade única. O padre é o primeiro intelectual da história do ocidente.
   Bem... Pondé então critica os marxistas e os cristãos, que têm a mania de explicar tudo pela sua crença e a desprezar quem não compactua com ela. Verdade. Mas Pondé espertamente "esquece" de evolucionistas e de psicanalistas, seitas que também crêem poder explicar tudo por uma única e "genuína" fé. Óbvio que aqui faltou honestidade a Pondé. Se é para criticar intelectuais, vamos criticar todos, inclusive a si-mesmo.
   Pondé coloca a culpa da decadência da família e das relaçõea afetivas nas costas de sociólogos e sexólogos. "Esquece" que essa decadência começa com os antirreligiosos. A igreja foi a base da familia, do poder do pai e da comunidade. Quando Deus foi morto a familia morreu junto. Pondé culpa as aulas de educação sexual...Ora, quando essas aulas são instituídas a familia já se fora, já era perdida.
   Ele chora também a transformação do bandido em vitima. Culpa o marxismo por isso. ( Não sou marxista, mas Pondé o demoniza tanto que dá até vontade de ser um fã de Fidel...), a culpa tanto pode ser do marxismo, que sim, viu o bandido como vitima e vingador, como da incompetência da autoridade, que ao mostrar sua desorganização e suas corrupções, deixa os bandidos menos bandidos.
   Pondé critica os que sobem em púlpito e bradam a verdade. Mas o que ele faz? O que fazem aqueles "pensadores" que vão ao café filosófico? ( Aliás nunca vi café por lá. Muito menos filosofia. Deveria se chamar Água e Alunos ).
   O que faço eu aqui a não ser expor, vaidosamente, minhas teorias chupadas de tudo aquilo que li? E que talvez eu nem tenha entendido...
   Respeito o intelectual que não tem certezas, assim como o artista que não funda movimentos. Por isso é que me interesso por religião e abomino igrejas.
   Voltando a crença. Sim  Marcelo Coelho, voce está errado. Todos precisamos de crenças para viver. E na verdade essa crença é a fé no amor. Precisamos nos unir por amor a alguma coisa da vida. Seja improvável ou não. Seja o amor ao sexo, ao dinheiro ou a filosofia e a arte. Mas entenda, por ser improvável, o amor se expande em amores improváveis. Ilimitados.
   Amar a Deus seria então amar tudo aquilo que é divino e improvável, secreto e incomunicável: a vida.