OS CADERNOS DE MALTE LAURIDS BRIGGE- RAINER MARIA RILKE, A GRANDE CRISE

   Escritos entre 1904 e 1911, aqui em tradução de Lya Luft, aviso você, leitor, a se preparar bastante para ler esta prosa poética de Rilke. Mergulhado numa crise espiritual, o poeta está, só e miserável, vagando por Paris. A fome e a sujeira apertam o cerco e ele delira. Memórias de um tempo em que sua família vivia em castelos e esbanjava dinheiro, lembranças que nunca são felizes.
  Raros os livros tão tristes. Tudo aqui é morte e principalmente medo. Estava no ar o fedor da putrefação. Rilke, como outros tantos, teria previsto 1914...
  Pesadelos e medo. Seria Rilke vítima da Síndrome do Pânico antes de que esse mal fosse moda ( interrogação ). Os medos que ele descreve, o pânico nas ruas, as súbitas tremedeiras, o horror pelo outro. Tétrico, este é um assustador livro de gótico. Tudo é mal ao redor das sombras. E as sombras estão em tudo. Ele busca Deus, ele ainda crê, mas sabe que os anjos são agora impossíveis. Santos são solitários. Ele não é um deles.
  Como conseguiu Rilke ter sobrevivido...Cada página, caleidoscópio de terror, cores, quase beleza, possibilidades perdidas, descobertas, é uma dor. Menino mimado e doente, como Proust, Rilke se aferra à mãe. Mas parte rumo à miséria. E conhece esse mundo: a Paris suja, miserável, escura, e indiferente. Mulheres. Doenças. E a poesia distante. Ele escreve como cura. Sabe que vai perder sempre. O destino é torto e vago.
  No começo ele diz que os homens perderam sua morte. Que antes morriam após cultivar uma morte única. Morriam em casa, ou não, em cenário escolhido, morriam a seu modo. Agora todos morrem anonimamente, em lugar indiferente. A grande dor é essa: Não somos donos de nossa morte.
  Se Rilke começa o livro assim, então ele é a tentativa de reaver a morte. Pois morrer era Grande e agora é pequeno.
  Ele tem 28 anos e precisa aprender a ver. E a esquecer. E escreve. Cães e silêncio.
  Uma alma que diz: Toda a humanidade nada aprendeu, vivemos apenas na casca das coisas.
  O poeta faz a faca.
  Bravo!