Mulheres amaram Rilke. Baronesas, intelectuais, condessas e prostitutas. Ele amou a todas, não se prendeu a nenhuma. Talvez a fascinante Lou Salomé tenha sido a dor maior. Mas Rainer-Maria Rilke logo percebeu o que era a vida.
Dois sentimentos norteiam a poesia do alemão nascido em Praga. O mais importante é a sensação de que nunca nos abrimos. Ele notou que por toda nossa vida estamos sempre detrás de nossos pensamentos. O homem não se integra a vida. Jamais nos é dado o prazer de simplesmente estar-aqui-agora. Nosso cérebro nos coloca sempre no além-depois-antes. Talvez tenhamos um vislumbre desse estar aberto no primeiro momento do amor. Quando descobrimos o estar-aqui com o amor. Mas esse momento se perde em minutos, quando nasce o medo e a posse. Os animais, para Rilke, por desconhecerem o tempo e a finitude, vivem nesse eterno agora. Conhecem e são abertos à vida. Nós, além de racionais, mamíferos, ainda vivemos a sensação de nascer como expulsão, ser tirado do útero/paraíso. Sensação que é desconhecida das aves, que nascem sem expulsão, antes como libertação. Se ser parido é ato de saída, sair do ovo é nascer e permanecer na mãe, o fora-exterior.
O segundo pensamento que permeia a obra de Rilke é a finitude. Viver é perder. A vida é eterno movimento, e esse movimento nos leva a constantes e inevitáveis finais. Viver bem é saber se separar, ir embora, desapegar-se. É por isso que Rilke, apesar de amado, cultiva uma solidão olímpica. Estar só é a condição real da vida. Todo o resto é passageiro. Somos reais apenas na solidão e é nela que podemos ser realmente felizes, pois nessa condição independemos do tempo.
Rilke.
Foi o primeiro poeta que lí na vida. Numa má tradução ( esta de agora é brilhante. Tem ritmo, leveza, cor ). Odiei Rilke. Achei-o triste, mórbido, fraco. Adolescente, ainda tinha plena fé na ilusão do eterno. Não sabia que a única coisa imutável da vida é a própria mutabilidade.
Hoje ele continua me dando melancolia. Mas a esse cinza se uniu o colorido de sua beleza assustadora. Pois agora compreendo seus anjos terríveis. E sei que viver é dizer adeus. Pai, amores vários, amigos às pencas, cães, lugares, casas, crenças, ídolos... todos partem, é inevitável. Eu mesmo escapo de mim-mesmo.
Amei muito. e creio que tenha sido amado. Irei amar mais e continuo sendo procurado. Mas, estranhamente, apesar de momentos de absoluta alegria, de completa satisfação que vivi com esses amores, sou obrigado a dizer que os momentos mais plenos de minha vida foram vividos em completa solidão. Um tipo de entrega ao agora, de total imersão na vida-fora-de mim, que é impossível a dois.
Rilke viveu a procura dessa entrega. O grande amor de sua vida foi a vida exterior. O tentar olhar sem julgar, sentir sem pesar, andar sem planejar. Ele foi um caçador de epifanias, de momentos de duende, de anjos.
Em nosso mundo, blindado e cada vez mais planejado, entender Rilke é tentativa de sanidade. Sua terrível beleza é sopro de aniquilação em nossa consciência.