POEMAS DE RAINER MARIA RILKE

   Nascido em Praga, Rilke foi durante os anos 40 e 50 o mais amado poeta do mundo. Mas na radicalização politica da década de 60 ele não só perdeu seu posto como se tornou um tipo de simbolo do "poeta hiper-valorizado". Rilke nunca foi o maior poeta do século, mas está longe de ser hiper-valorizado. Sua obra tem beleza que é só dela e melhor ainda, tem uma filosofia musical, uma espiritualidade vaga que lhe dá permanência. Rilke sobreviveu aos anos 60 e 70. O século XXI sabe o compreender.
   Criado pela mãe como se fosse uma filha, ele tinha tudo para ser um poço de complexos. Não foi. Rilke passou pela vida sendo muito amado, mimado, valorizado. Claro que ele via a vida com olhos de poeta, beleza e melancolia se casavam em sua vida, mas foi uma vida plena, realizada e curta. Rilke morreu aos 51 anos vitimado por uma leucemia.
   Viveu como um poeta "antigo". Escrevia sob forte inspiração e era sustentado por ricos mecenas. Cercado de mulheres que o amavam, em tudo ele confirma a imagem chavão do Poeta. Escrevia cartas aos milhares e se isolava em castelos para escrever. Viajou, amou, escreveu... Escreveu o que?
   Rilke criou algumas das mais belas imagens da poesia moderna. Sim, foi um moderno. Pois mesmo vivendo como um romântico e odiando profundamente tudo o que fosse "ciêntifico", Rilke escreve sem metro, solto, ao sabor do desejo. Escreve sobre a alma, anjos, morte e a fugacidade das coisas.
   "Todo anjo é terrível"
   Sua poesia é gnóstica. Ele busca conhecer as coisas e topa constantemente com uma imagem: o anjo. O anjo como ser tão imenso que aterroriza. O coração deixa de bater, assustado, ao vê-lo. Para Rilke, um dia pudemos ver os anjos porque suportávamos sua imagem e até mesmo ríamos com ela. Perdemos essa possibilidade, hoje tudo o que sentimos é medo.
   "Oh! Quer a transformação!"
   Gnose. Ele tem a consciência de que tudo é transformação e ao mesmo tempo é um ponto vazio. A alma, como a pantera de seu mais famoso poema, anda aprisionada em sua jaula e ansia pela liberdade que virá.
   Rilke fala de coisa interessante: o homem deve merecer a sua morte. Cada um deve ter sua morte, construída em sua vida. Ele tinha horror a morte anônima dos hospitais, dos súbitos acidentes. O homem deve morrer a morte criativa, a morte que lhe cabe de acordo com o que viveu. Jamais pense ser isso convite a suicidio; é a morte em casa, em ação cotidiana, a morte que se insere naquilo que foi sua vida.
   Para um homem que amou e foi amado da forma como ele foi, há em sua poesia uma surpreendente ausência de sexo e de musas. E falo isso como um elogio. Rilke não usava sua vida como objeto de exposição, ele a usava como suporte a sua obra. Escrevia sobre o espirito e somente sobre o espirito. Tudo me sua obra é ritmo em busca do absoluto. Caça à epifania.
   Termino citando três filmes que sempre me vêem a lembrança ao ler Rilke.
   Asas do Desejo, Morangos Silvestres e Viver!
   Wenders, Bergman e Kurosawa. Todo o idealismo alemão, idealismo tão forte em Rilke se faz explicito na obra-prima de Wenders. Não são anjos terríveis os do filme, mas a vida desses anjos é. No filme de Bergman, o filme que mais cresce em meu conceito a cada vez que o revejo, há a busca por sentido e o encontro com a morte merecida. E temos Viver!, o mais doído dos filmes, de uma tristeza insuportável e ao mesmo tempo de terrível beleza. O velho que parte da vida, vivendo numa intensidade como jamais antes teve a coragem de tentar, é toda a demonstração do objetivo da poesia de Rilke. O velho que canta e se balança na neve é imagem de terrível e quase assassina beleza.
   Meus poetas favoritos tomam conta de lados daquilo que sou.
   Keats é meu sonho. Stevens meu intelecto. Pessoa meu exterior e Yeats minha alma. Rilke é meu medo.
   O livro é traduzido por José Paulo Paes. Perfeito.