O TEMPO REDESCOBERTO, PROUST EM FILME DE RAOUL RUIZ

   Proust cura. As palavras em vertigens e as páginas que se embaralham fazem com que percebamos, sem perceber não é ? , que tudo permanece em lugar sempre vivo chamado memória. Cada dia e toda pessoas está para sempre aqui e em lugar nenhum, portanto em todo lugar. O que se vive é decisivo. Como filmar isso? 
  Schlondorff filmou em 1988 e fez um dos piores filmes de sempre. Confundiu Proust com esnobismo mórbido e destruiu o que era um monumento. Visconti acalentou a ideia de o filmar, mas morreu sem achar o momento certo dentro de seu tempo. Renoir, Ophuls, Resnais, todos poderiam ter levado o gênio de Marcel para as telas. E então assisto as seis da manhã de um sábado a versão de Raoul Ruiz, o diretor chileno que tanto insistiu que virou francês. É Proust ? Não, não é Proust, e essa é a vitória de Ruiz. Não é mas poderia ter sido se Marcel fosse menor. O rastro da tinta e da ansiedade de Proust está no filme, ( que é de uma beleza plástica tão extremada que poderia enjoar. Não enjoa. ), Ruiz optou por misturar as cartas e joga-las todas de uma vez sobre a mesa que é nossa mente. Não tente seguir a história, se deixe ir nas sensações impressionistas que flutuam frente nossos olhos como se fossem sonhos nossos.
  Quem disse que grandes filmes são como sonhos? Que lembramos deles como se tivéssemos sonhado aquele filme? Eis um filme que é todo sonho. As festas e as roupas, as casas e as taças, não podem ser reais. Mais que presentes elas vivem dentro de nós. Como Proust sabia, aquilo que vive dentro nunca perece pois não obedece a ordem do que mora fora.
  John Malkovich beira o milagre. Charlus como Charlus foi imaginado. Mas todo o elenco faz milagres. A fotografia de Ricardo Aronovich também. 
  Claro, o filme explicita a politica que Proust sugere e nunca escancara. E encolhe as delicadezas da infância sagrada. Cadê Swann que não o encontro?
  Eu reli Proust a cerca de quatro anos e ele é um dos livros que me consolou pela perda de um pai. O tempo mora onde? No fluxo infinito de rostos e de frases a gente se perde e percebe que tudo está. E tudo pode ser. Indo. A hipnose se opera para quem se deixa ir e fico rodopiando entre as linhas negras e a corrente desse rio que fala. E canta.
  O filme termina em mar.
  Pra sempre.
  Se voce é poeta sabe.