O FIM DAS NAÇÕES ( E PORQUE CÉLULAS DE TERROR SÃO SEDUTORAS )

   Vejo um filme italiano, com o grande ator Totó, e um filme francês, com o mítico Raimu. E percebo, daqui do século XXI, que a França e a Itália não têm mais razão de ser. Usamos esses nomes como uma saudade, ou pior, como marca de produto. Existe hoje a comida italiana, assim como o vinho francês. Se vende para um turista a fantasia do romance na Itália ou de uma semana na Provence...Mas é tudo uma ficção. Porque assim como a Inglaterra é hoje apenas uma rainha e um sotaque, os dois países europeus são apenas uma memória na mente de pessoas razoavelmente cultas.
   Totó é todo um modo de falar e de gesticular que não mais existe. Seus valores, que são a amizade, a vagabundagem, a malandragem e o coração de manteiga não mais existem. Como se foi aquela nação de gritadores, de casas atulhadas, de montes de crianças e de tempo livre. O mesmo na França. Parecida com a Itália e ao mesmo tempo seu oposto, a França das longas conversas, das discussões, do jogo de bocha e das mentiras sem fim se foi. Hoje os dois são países higienizados, de arte sem sabor, sem sal e pimenta, e onde tudo parece uma Miami de coisas antigas recém pintadas. As originalidades de cada canto se foram. Viúvas de véu preto faleceram. Como faleceram os moleques de lábia afiada e os poetas de paletós imundos. Isso se vê em tudo. Cada vez é mais dificil ver um filme tipicamente italiano, ouvir uma canção bem francesa ou até mesmo perceber o caráter que fazia do calccio uma coisa diferente do futebol arte da França. É tudo o mesmo. ( E imigrantes logo absorviam o forte sabor do país. Não esqueçamos que o time francês de 82 tinha mais da metade composta de imigrantes ). 
   O mesmo se dá aqui e em todo o mundo. Dificil achar um brasileiro. Não que eu saiba o que isso seja, mas eu sei que ele, o brasileiro, não é como um peruano ou um chicano de L.A. Mas fica tudo cada vez mais parecido. Isso é bom ou ruim?
   Diziam, com suprema ingenuidade, que a globalização traria paz ao mundo. Que quando as diferenças específicas de cada país fossem esquecidas, todos se veriam como humanos, apenas humanos. Não é isso que vejo. O fim das especificidades trouxe o crescimento da individualidade. Se não existe mais o caráter original e único que me unia a meu concidadão, o sentimento de solidão aumenta e com ele o ""cada um por si"". O país de cada um passa a ser seu eu, somente o eu, e esse eu guerreia o tempo todo contra os estrangeiros, todos os outros. 
   Sem as festas populares folclóricas, sem os mitos da comunidade, sem o gestual e a história particular de um lugar, tudo o que resta é eu e minha história pessoal. ---Que horror!!!!!
   Não é por acaso que jovens desiludidos se unam a células terroristas. Elas prometem aquilo que as nações não mais oferecem: uma identidade, uma fé e irmãos com corações em comum. O homem precisa ter uma raiz. Itália sem alho e sem Totó, França sem creme de leite e sem Raimu não são um país. São apenas um lugar.