Todas as histórias do ocidente começam em Homero. A Ilíada é fonte de nossas sagas de guerra, vingança e destruição; a Odisseia a raiz de todas as narrativas de viagens, descobertas, e principalmente do retorno. Em Homero está tudo aquilo que nos foi dado como o Herói.
Povos refizeram a seu modo essas histórias. E se identificaram como pertencentes ao mesmo lugar através desses novos heróis. A Inglaterra em Arthur, a França em Carlos Magno, a Alemanha com Siegrified, Portugal em Sebastião e depois os Lusíadas. A Espanha em El Cid e depois em Quixote. A Itália em Julio César e Roma e depois em Petrarca e Dante.
Novas sagas foram criadas. Há quem diga que a França de hoje nada mais tem de Carlos Magno, que o mito franco hoje se revela em Montaigne. Mas a função da saga de Carlos Magno já está absorvida, ela construiu a união francesa. Que perdura.
Essas histórias entram em choque. Na Espanha os catalães se percebem muito mais nos poetas dos anos 1.200 que em Quixote. Italianos do sul não se enxergam em Petrarca ou Dante.
Na América existiam as sagas de seus povos nativos. Que morreram e morrem com eles. As novas nações foram criadoras de novas sagas. Os EUA criaram Moby Dick, Huck Finn e todo o mito do oeste. E como na Europa, a fonte de tudo isso está no Homero grego. O México tenta, desde sempre, ressuscitar os mitos de seus povos primeiros, os Astecas. Na Argentina temos Martin Fierro como sua Odisseia. E no Brasil ainda esperamos nossa saga heroica.
A primeira tentativa foi vestir índios em trajes gregos. Iracema e Ubirajara. Não deu certo. E continua não dando. Várias tentativas foram feitas de criar nossa saga nacional: bandeirantes, chefes índios, até o esculacho de Macunaíma. A TV pegou esse vácuo e a Globo por uma década tentou unir nossa raça variada em um ciclo de histórias: Gabriela, Tieta, O Bem Amado. Seria essa a nossa saga: a do malandro baiano. Desmoronou quando o malandro baiano se revelou uma mentira além de toda mentira. Um boneco de papel. Um herói sem heroísmo. Veio o ciclo Rei do Gado, e esse era tão oco e falso que não causou nem marola.
Não temos heróis. O maior escritor nacional odiava heróis.
Ulysses de James Joyce cria o heróis possível ao século XX. O homem comum. Um trabalhador de Dublin, que como o Ulysses grego, vive uma saga. A saga de ter de viver um dia em sua vida. A imensa dificuldade que é existir em meio á tantas vozes, apelos, desejos, sentimentos, memórias e fragmentos que se embaralham dentro e fora de sua mente. Ele anda e passa por enterro, bordel, redação de jornal, ruas e mais ruas, bares, a casa, e principalmente ele passa por sua mente, imensa como um mar. Navega. Joyce dedica essa saga irônica não à Irlanda, mas ao ocidente. A Irlanda sempre teve um excesso de narrativas, de Cuchulain, St. Patrick, Elfos, e reside aí sua excelência em imaginação. A ambição de Joyce era maior, ele queria mostrar que todos nós somos Ulysses. Perdidos no Mediterrâneo em busca da volta ao lar.
James Joyce, todos sabem, falhou. O mito do século XX é alguma coisa entre Clark Kent e um astronauta. Um cowboy e John Kennedy. O grande cientista e Don Corleone. Joyce errou, nenhum desses mitos é um homem comum. Eles todos tentam parecer o Zé Ninguém, o cara como nós todos, mas não são. Todos são excepcionais.
Mas o livro de Joyce é em si um mito. O símbolo dos livros ambiciosos, dos livros ilegíveis, dos livros super valorizados, o livro que as pessoas amam e odeiam sem nunca ter lido. E que eu li e senti: ora, é apenas mais um grande livro! Proust é melhor, Henry James mais profundo, Thomas Mann mais ambicioso, Eliot muito mais metido e vários poetas são bem mais complicados.
Ulysses é lindo, divertido e rico. Joyce errou. Mas enquanto escrevia esse erro...foi um herói.
Povos refizeram a seu modo essas histórias. E se identificaram como pertencentes ao mesmo lugar através desses novos heróis. A Inglaterra em Arthur, a França em Carlos Magno, a Alemanha com Siegrified, Portugal em Sebastião e depois os Lusíadas. A Espanha em El Cid e depois em Quixote. A Itália em Julio César e Roma e depois em Petrarca e Dante.
Novas sagas foram criadas. Há quem diga que a França de hoje nada mais tem de Carlos Magno, que o mito franco hoje se revela em Montaigne. Mas a função da saga de Carlos Magno já está absorvida, ela construiu a união francesa. Que perdura.
Essas histórias entram em choque. Na Espanha os catalães se percebem muito mais nos poetas dos anos 1.200 que em Quixote. Italianos do sul não se enxergam em Petrarca ou Dante.
Na América existiam as sagas de seus povos nativos. Que morreram e morrem com eles. As novas nações foram criadoras de novas sagas. Os EUA criaram Moby Dick, Huck Finn e todo o mito do oeste. E como na Europa, a fonte de tudo isso está no Homero grego. O México tenta, desde sempre, ressuscitar os mitos de seus povos primeiros, os Astecas. Na Argentina temos Martin Fierro como sua Odisseia. E no Brasil ainda esperamos nossa saga heroica.
A primeira tentativa foi vestir índios em trajes gregos. Iracema e Ubirajara. Não deu certo. E continua não dando. Várias tentativas foram feitas de criar nossa saga nacional: bandeirantes, chefes índios, até o esculacho de Macunaíma. A TV pegou esse vácuo e a Globo por uma década tentou unir nossa raça variada em um ciclo de histórias: Gabriela, Tieta, O Bem Amado. Seria essa a nossa saga: a do malandro baiano. Desmoronou quando o malandro baiano se revelou uma mentira além de toda mentira. Um boneco de papel. Um herói sem heroísmo. Veio o ciclo Rei do Gado, e esse era tão oco e falso que não causou nem marola.
Não temos heróis. O maior escritor nacional odiava heróis.
Ulysses de James Joyce cria o heróis possível ao século XX. O homem comum. Um trabalhador de Dublin, que como o Ulysses grego, vive uma saga. A saga de ter de viver um dia em sua vida. A imensa dificuldade que é existir em meio á tantas vozes, apelos, desejos, sentimentos, memórias e fragmentos que se embaralham dentro e fora de sua mente. Ele anda e passa por enterro, bordel, redação de jornal, ruas e mais ruas, bares, a casa, e principalmente ele passa por sua mente, imensa como um mar. Navega. Joyce dedica essa saga irônica não à Irlanda, mas ao ocidente. A Irlanda sempre teve um excesso de narrativas, de Cuchulain, St. Patrick, Elfos, e reside aí sua excelência em imaginação. A ambição de Joyce era maior, ele queria mostrar que todos nós somos Ulysses. Perdidos no Mediterrâneo em busca da volta ao lar.
James Joyce, todos sabem, falhou. O mito do século XX é alguma coisa entre Clark Kent e um astronauta. Um cowboy e John Kennedy. O grande cientista e Don Corleone. Joyce errou, nenhum desses mitos é um homem comum. Eles todos tentam parecer o Zé Ninguém, o cara como nós todos, mas não são. Todos são excepcionais.
Mas o livro de Joyce é em si um mito. O símbolo dos livros ambiciosos, dos livros ilegíveis, dos livros super valorizados, o livro que as pessoas amam e odeiam sem nunca ter lido. E que eu li e senti: ora, é apenas mais um grande livro! Proust é melhor, Henry James mais profundo, Thomas Mann mais ambicioso, Eliot muito mais metido e vários poetas são bem mais complicados.
Ulysses é lindo, divertido e rico. Joyce errou. Mas enquanto escrevia esse erro...foi um herói.