SONHO E SERRA DO MAR

Alguns momentos em minha infância foram reais, hoje eu sei, mas durante anos me pareceram ser sonhos. O mais fantástico foram as cenas que eu lembrava do filme SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO, de 1932, cenas que vi na TV, talvez aos 4, 5 anos de idade, e que cresci, até os 45 anos, pensando ter sonhado aquelas cenas. Pois bem...sempre que desço a Serra do Mar, seja pela Anchieta ou pela Imigrantes, tento entender de onde tirei as imagens, mágicas, que guardo daquela descida. Vejo dentro da minha memória uma estrada sinuosa, que passava roçando nas folhas das árvores. Um caminho onde eu sentia o cheiro da mata e ouvia, muito de perto, sons de insetos e de pássaros. O carro percorria as curvas com vidros abertos, o bafo úmido da floresta invandindo nossos corpos. Lembro de cachoeiras onde dava quase pra molhar as mãos. Descendo a Serra, lugar que mais amo no mundo, sinto prazer, mas ao mesmo tempo fico intrigado: sonhei esse outro caminho? Vejo no Youtube um video da velha estrada de Santos, aquela que Kipling conheceu. Aqui está meu sonho! Minha mãe assiste comigo e me conta: Sim, até os seus 11 anos era esse o caminho que fazíamos. Seu pai preferia usar a Anchieta, mas todas as vezes que fomos no carro de outras pessoas elas foram por aí, por ser mais bonito. A viagem levava quase 3 horas, contando tudo, e quando voce tinha 7 anos, a primeira vez que voce viu o mar, descemos por aí, de noite, chovendo, numa Kombi. Nunca senti tanto medo....Voce desceu comendo bolachas e rindo. Houve um domingo, eu tinha 9 anos então, em que subíamos para São Paulo, de taxi. Cheio de sono e calor, eu vi macacos nas árvores e enormes pássaros voando tão perto....em certo trecho os galhos caídos de uma árvores roçavam os vidros do velho Chevrolet. Crianças quando felizes sentem essa alegria na barriga. Como um calor suave. A falta de passado faz isso. A satisfação é nova, estala de tão perfeita. Eu fechei os olhos e dormi ouvindo os pneus rolando. Desde então essa é minha imagem da felicidade perfeita.