A primeira vez em que desci a Serra do Mar foi de Kombi. Chovia, era fim de tarde e a viagem durou cinco horas. Cinco horas na Serra, apenas. Porque nós fomos pela estrada velha, o Caminho do Mar. Naquela época esse caminho ainda era aberto aos carros. Não consigo lembrar porque meu pai foi por lá, acho que ele errou a entrada da Anchieta. Eu tinha sete anos de idade e na Kombi iam meu pai, minha mãe, meu irmão e mais uma tia, e três primos. Minha mãe gritava em cada curva dada. Aquela estrada tinha pista e mão dupla, só cabia um carro por via, e pior, não havia guard-rail. Se o carro derrapasse era adeus... Os vidros embaçaram, escureceu. Mas chegamos em São Vicente. Era 1971.
Quando subimos a Serra, dez dias depois, e agora pela Anchieta ( não existia a Imigrantes ), pude então ver, assistir o que a viagem me mostrava. Descobri aquele lugar. As nascentes que pude ver da estrada, água correndo branca, o cheiro das árvores que se abraçam umas nas outras, os abismos perdidos e de onde eu via pássaros que levantavam vôo. Aquele caminho era cansativo, longo e muito perigoso, mas passávamos dentro da Serra, costurando as encostas, sentindo o lugar. Próximos da mata e dentro da vertigem da sua vida.
Depois as viagens foram pela Anchieta, até que em 75 veio a Imigrantes. Agora eu corria longe das árvores, e me acostumei a admirar a Serra de longe. Não havia mais como sentir seu cheiro e nem se percebiam suas corredeiras. Mas eu me hipnotizava com o verde dos montes imensos e com a luz do sol banhando as encostas que iam mudando de cor a todo momento. Eu olhava a cidade lá embaixo, o mar visível no entardecer e pensava: "Sou feliz!" Por pior que minha vida pudesse estar, lá, na Serra, eu sempre fui muito feliz. Eu deixo de ser eu, perco minha certeza, me torno parte de outra coisa.
E ao terminar a descida havia o mangue. A longa e plana região dos caranguejos, da lama negra, do cheiro de barro e de água parada, dos pássaros de pernas compridas. Árvores baixas e o calor na pele aumentando. Uma euforia, vontade doida de sair do carro e correr pra dentro do mangue, me sujar na lama, me perder, pirar. Sentia como se o que estava lá fora me convidasse, um convite a viver, a me perder, a me deixar de mim. E no meu rosto um sorriso, os olhos abertos, um brilho.
A Serra é o lugar mais lindo do mundo. Eu não vi o mundo todo, não vi nada, mas a Serra é mais linda que o resto do mundo. Lá tem pegada de bandeirante, tem resto de indio, tem sombra de bicho que não mais existe. Mortes e cantos de vida, insetos e humidade, aranhas e macacos. Ela me apequena, me espanta sempre, me canta. E anuncia o mar.
O mundo dos homens jamais vai conseguir canalizar o mar. Não construirão uma estrada sobre ele lhe domando e matando. O mar é o mesmo. Quando César andou na Europa, era o mar como o vejo hoje. E era a Serra essa Serra. Aquele pássaro que voa agora era o mesmo que voou enquanto na Grécia Hesíodo cantava. Esse pássaro voava do mesmo modo e emitia o mesmo grito. E a curva daquela encosta era como a vejo hoje. A Serra esteve aqui ao mesmo tempo que Buda e Jesus estiveram aqui.
Eu passo pela Serra e sempre me sinto feliz. Ela me espera, ela me abençoa e ela é do mar.
Quando subimos a Serra, dez dias depois, e agora pela Anchieta ( não existia a Imigrantes ), pude então ver, assistir o que a viagem me mostrava. Descobri aquele lugar. As nascentes que pude ver da estrada, água correndo branca, o cheiro das árvores que se abraçam umas nas outras, os abismos perdidos e de onde eu via pássaros que levantavam vôo. Aquele caminho era cansativo, longo e muito perigoso, mas passávamos dentro da Serra, costurando as encostas, sentindo o lugar. Próximos da mata e dentro da vertigem da sua vida.
Depois as viagens foram pela Anchieta, até que em 75 veio a Imigrantes. Agora eu corria longe das árvores, e me acostumei a admirar a Serra de longe. Não havia mais como sentir seu cheiro e nem se percebiam suas corredeiras. Mas eu me hipnotizava com o verde dos montes imensos e com a luz do sol banhando as encostas que iam mudando de cor a todo momento. Eu olhava a cidade lá embaixo, o mar visível no entardecer e pensava: "Sou feliz!" Por pior que minha vida pudesse estar, lá, na Serra, eu sempre fui muito feliz. Eu deixo de ser eu, perco minha certeza, me torno parte de outra coisa.
E ao terminar a descida havia o mangue. A longa e plana região dos caranguejos, da lama negra, do cheiro de barro e de água parada, dos pássaros de pernas compridas. Árvores baixas e o calor na pele aumentando. Uma euforia, vontade doida de sair do carro e correr pra dentro do mangue, me sujar na lama, me perder, pirar. Sentia como se o que estava lá fora me convidasse, um convite a viver, a me perder, a me deixar de mim. E no meu rosto um sorriso, os olhos abertos, um brilho.
A Serra é o lugar mais lindo do mundo. Eu não vi o mundo todo, não vi nada, mas a Serra é mais linda que o resto do mundo. Lá tem pegada de bandeirante, tem resto de indio, tem sombra de bicho que não mais existe. Mortes e cantos de vida, insetos e humidade, aranhas e macacos. Ela me apequena, me espanta sempre, me canta. E anuncia o mar.
O mundo dos homens jamais vai conseguir canalizar o mar. Não construirão uma estrada sobre ele lhe domando e matando. O mar é o mesmo. Quando César andou na Europa, era o mar como o vejo hoje. E era a Serra essa Serra. Aquele pássaro que voa agora era o mesmo que voou enquanto na Grécia Hesíodo cantava. Esse pássaro voava do mesmo modo e emitia o mesmo grito. E a curva daquela encosta era como a vejo hoje. A Serra esteve aqui ao mesmo tempo que Buda e Jesus estiveram aqui.
Eu passo pela Serra e sempre me sinto feliz. Ela me espera, ela me abençoa e ela é do mar.