DIÁRIO DE UMA VIAGEM DA BAÍA DE BOTAFOGO À CIDADE DE SÃO PAULO ( 1810 )- WILLIAM HENRY MAY

   José Mindlin na introdução a este pequeno livrinho, fala da sua dificuldade em obter a única cópia ( estava em Londres ), deste relato. Não existem narrativas sobre São Paulo até então. Tudo o que há, relatos franceses e espanhóis, são descrições de "ouvir dizer", nada escrito por quem lá esteve. Portugal, até 1808 não permitia a entrada de estrangeiros no Brasil, se pego, um francês ou um espanhol seria morto.
   Mas o que se falava de São Paulo até 1808? Que era a cidade "da República". Uma cidade que pagava seus tributos à coroa em dia, mas que tinha leis próprias, costumes seus, que não admitia ser governada. Diziam que seu povo era composto por bandidos. Lenda....
   W. Henry May não era um aventureiro. Era um burocrata da coroa inglesa. Saindo do Rio, ele, em navio inglês, vai até a Ilha Grande, de lá à Santos, então São Paulo e na volta São Sebastião. É um relato simples, didático e muito verdadeiro. O que esse inglês, vivendo no apogeu do poderio real britânico, diz sobre nossa terra?
  Nada sobre o Rio, de onde ele vem. Mas dá pra perceber que ele não gostou do Rio. A Ilha Grande tem elogios por sua beleza, as montanhas, a luz sobre o mar. Ele elogia o governador da Ilha, um português afetuoso, aberto, generoso. Um comentário: " Portugueses não sabem arrumar suas casas ", ele repara nas ruas limpas, mas fala das casas bagunçadas, mal decoradas.
  Surgem dificuldades para entrar em Santos. O estreito de Bertioga os assusta. A cidade é vista como pantanosa, confusa, suja. Vão para São Paulo. Navegam por rio até Cubatão, cidade cheia de cana de açúcar, de lavoura. Se impressionam com a beleza da Serra do Mar, suas imensas montanhas, seu verde. Sobem pela estrada pavimentada em zigue e zague. Lombo de burros. Admiram e elogiam os tropeiros que descem levando café. Gente limpa, educada, forte.
   No alto da Serra. Se impressionam. Campos de capim, caça, clima ameno. Diz que às vezes a paisagem lhe recorda a Inglaterra, montes e rios, sol e árvores grandes. Chegam a São Paulo.
   Na primeira visão da cidade se lembram da Itália. Para onde se olha se vêem belas montanhas e riachos claros e frescos. O clima é saudável e as ruas são asseadas. Estranham o povo. Nas igrejas os paulistas se comportam como se estivessem em peça de teatro francês. Fazem gestos amplos, conversam, se penitenciam. Para os inlgeses, os paulistas não levam a religião a sério. Dizem que o povo dorme toda a manhã e no resto do dia só pensam em namoros, flertes, traições. As mulheres lhes parecem pouco sérias.
   Mas adoram a paisagem, a luz do sol, caçam pássaros, caçam veados, topam com cobras. E voltam.
   Descem a Serra e em Santos tomam o navio rumo ao Rio. Mas antes páram na Ilha de São Sebastião ( Ilha Bela ). Se apaixonam pelo lugar. É um povo que trabalha muito, as mulheres não páram de fazer renda, os homens cuidam da lavoura. As casas são pobres, humildes, mas o entorno tem ares de paraíso. A Ilha lhes deixa uma imagem de sonho.
   O relato, curto demais, se lê em uma hora. Mas quanta coisa pra pensar.
   Mudamos tanto assim? Cadê a paisagem italiana? Que tipo de cidades construímos? Me parece que jogamos no lixo a tal paisagem toscana e no lugar nada fizemos digno de louvor.
   PS: Perguntei a minha mãe se era real ou fantasiosa uma lembrança que tenho de minha infância. Nasci no Morumbi, perto de onde é agora a Tv Bandeirantes. Da porta da cozinha de casa eu podia ver, com nitidez, como se fosse logo na esquina, o pico do Jaguaré. Esse pico, pra quem não sabe, fica a cerca de 15 quilômetros em linha reta, de onde eu o via. Toda manhã eu admirava o sol sobre o verde de suas encostas e no inverno o admirava cercado pela neblina fria. Isso era mesmo assim ou foi fantasia minha? Pergunto e minha mãe o confirma. Da cozinha se avistava o pico do Jaguaré e da rua, à esquerda, se olhava o alto da avendia Paulista. Não sei se a Itália é assim. Mas era uma visão sem preço.