SANGUE E CHAMPAGNE-ALEX KERSHAW, A VIDA DE ROBERT CAPA, TRAGÉDIAS UTÓPICAS E CONCLUSÕES PRAGMÁTICAS.

   O livro é de uma beleza imensa. E simples. Cheio de suspense, a vontade é de o ler de uma vez só. Pode ser a melhor bio que já lí. Que me desculpe Richard Ellman.
   Capa nasce na Hungria e adota esse pseudômino ao se profissionalizar. Há uma lenda de que ele queria ser confundido com Frank Capra. Bobagem, Bob é um nome bem americano e ele quis parecer americano, e Capa era seu apelido de adolescência. Capa em húngaro quer dizer Tubarão. E como o tubarão, que nada e caça a vida toda sem parar, Capa viveu muito, sem endereço fixo, sem familia e nunca só. Ele tinha uma capacidade enorme em fazer amigos, estava sempre fazendo piadas e foi, entre seus amigos paqueradores famosos ( Picasso, John Huston, Gary Cooper ) o mais Don Juan de todos. Tinha jeito de criança levada, olhar de desejo, cheiro de aventura, humor, muito humor e bom gosto. Combinação irresistível para as mulheres. Não era bonito, era baixo, e nunca teve dinheiro, gastava tudo, mas era um rei. Fundou a agência Magnum ao fim da segunda-guerra, a primeira agência a defender e ser dona de todos os direitos dos fotógrafos, com Cartier-Bresson ( de origens nobres e sempre um cavalheiro ) e Seymour Chim ( de origem judaica e plebéia como ele ), fez da Magnum um novo capítulo na história das artes visuais. Chim fotografava a Europa, Bresson o oriente e Capa o que desejasse. Foi o mais famoso fotógrafo de guerra e o maior prêmio da fotografia de ação leva seu nome. O melhor do livro é observar as mudanças na vida de Capa, mudanças que contam a tragédia do mais triste dos séculos, o XX.
   O muito jovem Capa se faz promissor ao conseguir fotografar Trotski em comicio. Pouco antes de ser assassinado, o revolucionário russo faz um discurso. Capa sente cheiro de morte no ar e consegue fazer as únicas fotos do evento. Logo depois é mandado para a Espanha.
   A Espanha vivia então o sonho socialista em seu radicalismo total. Tudo era comunitário, a liberdade era absoluta. Uma mistura de solidariedade, sonho, idealismo e fé nos homens posto em prática. Mas logo a coisa azedou. O general Franco une tropas na África e avança sobre a Espanha. Hitler e Mussolini usam essa guerra como campo de provas, treinam tropas na ajuda à Franco e lançam novas armas. Socialistas de todo o mundo se alistam como voluntários para defender a Espanha livre. Orwell, Heminguay, Dos Passos, Steinbeck, todos se unem na luta. Capa fotografa e faz seu maior trabalho. Fotografa com paixão, toma partido, luta e corre riscos terríveis. Lança uma frase famosa: "Se uma foto não estiver boa é porque voce não chegou perto o bastante". Diz ele que as pessoas lutavam sorrindo. Iam alegremente para o sacrificio. Ainda acreditavam na morte por uma ideia. Crianças morrem nos primeiros bombardeios da história contra civis ( obra de Hitler ). Fome, dor, orfãos. Fogem espanhóis para a França. Cruzam os Pirineus na neve, morrem de frio aos montes. Capa junto. Na França são postos em campos de concentração para morrer. A França não quer se comprometer. Capa se aflige e faz piadas, dá humor para quem sofre, fotografa e divulga ao mundo a tragédia. Franco massacra espanhóis aos milhares. Vence. Será ditador por mais de 35 anos. A Espanha voltará a ser medieval. Os voluntários voltam chorando. Há uma cena explêndida no livro: A homenagem que o povo espanhol faz aos voluntários quando eles desfilam se despedindo. Capa chora. Pior que tudo, ele amava Gerda, uma grande fotógrafa que morre numa explosão. Capa nunca mais irá se recuperar. Começa aqui a nascer um novo Capa, mais cínico, mais mulherengo, muito mais ansioso.
   Vai à China. Guerra contra o Japão. Chiang-Kai-Chek e Mao-Tsé-Tung, ainda unidos, lutam contra o imperador Hiroito. Capa sente que a China consegue virar a guerra. A guerrilha de Mao. O povo sempre sorrindo. Bombas e mais bombas.
   Capa não suporta a vida comum. Viciado em adrenalina, viciado na guerra. Contradição: Capa odeia a guerra, mas ama o que ela traz de ação e de amizades. Nesse tempo, na guerra de campo, no chão, homens fazem amizades para toda a vida, compõe sagas biográficas e sentem a "Terrível alegria da ação".
   O que Capa faz? Joga. Joga muito, é uma geração do poker e da roleta, de enormes apostas. Capa perde muito. Não liga. Ele ama a adrenalina. E faz sexo. Traça atrizes ( Ingrid Bergman foi uma paixão real em que ele não investiu muito ), prostitutas, modelos, cantoras, nobres e pobretonas. Faz fotos de esportes. E vem mais uma guerra.
   Spielberg usou as fotos de Capa como base de todo o "Resgate do Soldado Ryan". Alex Kershaw faz do desembarque algo de eletrizante e inesquecível. Dor, sangue, suspense, pavor, crueldade. Capa é dos primeiros a pisar na praia e dispara a câmera. Balas zunem, todos morrem a seu redor. Mar cheio de sangue, de pedaços de corpos. Não tenho a arte para descrever a cena. Kershaw tem. "A deusa banalidade ainda não tomara o poder. O Horror absoluto era uma novidade."
   Capa acompanha as tropas na Itália depois. Anzio tem as cenas mais cruéis que ele viu. Ele vive. Os soldados vivem. "Voce vive de verdade quando sabe que daqui a um segundo pode estar morto. Então voce passa a beber muito, comer tudo, e a amar com volúpia plena. Assim era a Itália em 44." Nos bombardeios em Londres Capa percebe que os casais fazem amor em praças e em cantos escuros. No medo da morte todos se entregam ao sexo. Londres era cheia de gemidos de coito. Mas a Itália foi mais. Mortos demais, fome demais, medo demais. E a amizade. A imensa amizade entre aqueles que sofrem juntos.
   Após a guerra, Capa foi aos campos mas não os fotografou. Dor demais? Por ser judeu? Ninguém sabe. O homem famoso por fotografar a morte não tirou uma só foto de Auschwitz. E faz uma observação inteligente: "Americanos sabem vencer uma guerra. Não matam prisioneiros e não estupram ( muito ). Querem ser aceitos pela população. Russos, assim como os franceses, entram arrasando. Matam tudo que se mova. Nâo fazem prisioneiros. Subjugam o povo "liberto". Não sabem fazer politica."
   Capa após a guerra vai, sem vontade, à Hollywood. Faz amizade com Huston e namora Ingrid Bergman. Se entedia. Tem aversão ao estilo americano. Acha tudo vazio, futil, infantil. Vai a sua cidade favorita, Paris. Cobra desfiles de moda. Vê a controvérsia: o povo odeia a ostentação dos ricos. Dior usa pouco tecido, faz vestidos mais curtos e simples por falta de tecido. Capa, o cara que fotografou gente lutando por pão e liberdade, agora fotografa sedas e veludos.
   Vai a Israel. Mais uma guerra. Solidariedade e socialismo de novo. Hoje, em 2013 pouco se fala disso, mas Israel nasce como kibutz, e o kibutz é a experiência comunista extrema. Tudo é de todos e todos são da comunidade. Judeus chegam de todo o mundo. Judeus pobres, ricos, ignorantes, escuros, louros, famosos, famintos. Um país se faz do nada. E seis nações árabes se unem e atacam. Outra volta à Espanha de 36. Um povo lutando alegremente por terra. Bombas explodindo enquanto crianças brincam se se importar. Velhos e mulheres com fuzis. Israel vence. Derrota o Egito. Vence exércitos oficiais com um bando de civis. Mas Capa percebe e fala: "O que será dos Palestinos? Onde eles irão viver?"
   Esfarrapados de Israel sorriem na vitória. Esfarrapados da Palestina ficam aturdidos. Onde ir?  Logo em seguida o fim do sonho. A ultra-direita de Israel em guerra com seu próprio povo. Capa parte. Chega de guerra.
   Vai ao Japão, onde fotografa o país em reconstrução. Capa diz que o Japão é um país feito para ser fotografado. Ama o povo. A calma. O trabalho persistente.
    Mas Capa está falido. E por isso aceita mais uma guerra. A última. No Vietnã em 1954.
   A França luta contra os vietcongues. E pela primeira vez Capa vai a serviço do lado "errado". Seu coração está com o povo oriental, os muito inteligentes vietnamitas que humilham os franceses com derrotas inesperadas. Mas Capa acompanha as tropas colonialistas. É um trabalho sem coração.
    E é lá que ele morre. Capa pisa numa mina em meio ao arrozal. Será o primeiro fotógrafo morto no Vietnã. Com 40 anos de idade, ele já um mito, comove o mundo. A França será expulsa do Vietnã e os EUA tomarão seu lugar "na luta contra os vietncongues". 
    Robert Capa viveu do idealismo puro da Espanha ao cinismo do Vietnã. Esteve no dia mais glorioso do século ( o fim da guerra em 45 ), e no dia que segundo Eisenhower "Foi o auge dos EUA", o dia D. Capa viu a decadência do mundo, o fim da fé humana, o fim das ilusões. Cansou de lutas, de morte, e de correr. Mas dizia que jamais conseguiria ser pacato, pai de familia, comum. Precisava de adrenalina. Viu demais. Viveu demais. Partiu.
   O livro de Kershaw é maravilhoso.