CASANOVA, O CONTÁGIO DO PRAZER ( UM TEXTO SOBRE UMA DOENÇA - JEAN - DIDIER VINCENT

Escrito em 1990, este livro conta por alto a história de Casanova, explicando sua vida pela via da doença. Não algum tipo de tara ou neurose, mas sim pela simplória gonorreia. A cada fase de sua vida Casanova adquiria uma nova gonorreia e ao cura-la se inaugurava um novo homem. Vincent, médico e biólogo, neurologista e químico, escritor também, tem uma certeza adquirida em labiratórios: a doença é útil. Precisamos dela pois é ela quem nos faz ser quem somos. Sem a doença, sem a dor, sem a convalescença, o homem não cresce. Nosso organismo é preparado para adoecer. É necessário estar doente. -------------------- Trago aqui então uma coisa minha: Fui vítima de longas gripes entre meus 12 e 35 anos. Garganta doendo, febre, dores no corpo. Meu nariz entupido. E afirmo que foi assim, enrolado em cobertor, cheiro de Vick Vaporub, que tive as minhas melhores leituras. Dentro da doença era como se minha mente se entregasse completamente aquilo que eu lia. Madrugadas espirrando e páginas lidas a luz de uma lâmpada amarela. A doença nos força a estar recolhido dentro de si mesmo. E nessa casa-mente, fixamos tudo aquilo que vivemos. ------------- Uma vida sem doença, sem esse recolher na dor física, é uma vida sem interioridade. É a vida fármaca do século XXI. Vida de analgésicos, de relaxantes, vida que abomina e foge da doença. ---------------- Apenas 3 anos atrás eu passei 7 meses doente. Uma asma insistente, logo acrescida de duas pneumonias, me deixaram dentro daquele mundo que eu conheço tanto: meu mundo. Me vi sentindo coisas que eu sentia aos 14, 17 anos; pensando como pensava com 18, 22 anos e tendo leituras produtivas como as tive nos meus 30. Não temo dizer que ao lado da dor, do medo, da dificuldade de respirar, havia aquilo que Vincent chama de "sensação de se estar realmente vivo". Me sentia inteiro, completo, vivo na doença. ---------------- Para quem nunca teve esse modo de ver a doença, este texto pode estar parecendo meio macabro. Haverá algo de bastante neurótico aqui. Mas veja bem: a neurose é uma das grandes doenças da mente e o seu portador sente, mais que ninguém, um estranho amor por aquilo que o dilacera. Ele está vivo. Dentro de seu problema. -------------- É um tema sem cura este.