O ESTRANGEIO, ALBERT CAMUS, O QUE É?

Não me lembro se já escrevi sobre este livro, se já, com certeza minha visão sobre ele é hoje outra. Isso é o bom da releitura, ela é viva, muda. Dito isso, falo que Camus não teve tempo de sair da adolescência. Este livro nada mais é que o relato sobre o cara que fui aos 17 anos, sem tirar nem por. Tempo, o da adolescência, em que voce percebe o mundo que lhe foi dado e não o aceita. Não consegue estabelecer conexão com quase nada, a não ser, de forma narcísica, com a pobre coisa que voce é. Camus erra feio ao obrigar Mersault a matar. É uma concessão ao explícito. Ele mata como quem atravessa uma rua, sem nada de muito importante nisso, mata por tédio e por estar irritado com o sol. O livro seria melhor e mais impactante sem isso. Como eu o faria também ser absolvido pela lei. Mersault sairia da prisão sentindo já saudade da prisão. -------------------- O final do livro é muito fraco e mais uma vez, apelativo. Ele sente paz e alegria. Paz no sacrifício. Vira um cristão? --------------- Entenda, eu gosto de Camus, muito mais que de Sartre, a quem eu odeio. Ao contrário de Sartre, Camus nunca foi um burguesinho vaidoso travestido de rebeldinho para poder comer as estudantes de filosofia ( Sartre é apenas isso, sua filosofia é digna da lata de lixo e na verdade já está lá ). Camus, ao contrário, era real e mesmo que eu ache este livro uma obra falha, mas nunca chata, Camus agrada por não ter criado um tipo. Ele é o que é. E entenda por favor, Camus não é Mersault. --------------------- No mundo de 2023, ao contrário do que voce pode pensar, não há mais muitos Mersault. Ele é típico dos anos 60 e 70. Reli achando que ia topar com o tipo de jovem que mata alunos numa escola sem motivo algum, mas nada. Mersault mata e vive em solidão, no vazio de uma relação sexual gelada, um trabalho bobo e a praia deserta. O jovem que mata numa escola está cheio de opiniões absurdas, grupos sinistros, vozes que o perturbam, medos, pesadelos, ansiedade. Esse assassino de 2023 pode parecer frio e sem porque, mas ele é uma bomba de ruído. Mersault, perto dele, é um muito antigo monge do Nepal. -------------------------- Tanto sucesso fez este livro, lançado nos anos 50, Nobel para Camus, porque ele falava de um certo enui-cansaço, de uma geração que surgia. Não a de Camus, mas sim a nascida pós segunda guerra. A primeira geração a viver no mundo mais "fácil" da tecnologia. A geração que nasceu e foi jogada em um mundo que mudava sem cessar e que por isso resistia a vínculos. O livro se tornou central não por ser uma obra de arte, não é, ou uma ficção genial, também não é, Camus não é criativo, mas sim por acertar um diagnóstico, diagnóstico que hoje não cabe mais. ---------------- Em 2023 não somos indiferentes, somos hiper excitados, exatamente o oposto. Nossa aparente indiferença é a dos cansados. É isso.