BLAISE PASCAL, TUDO É IMAGINAÇÃO

O século XVII é considerado o século da grande revolução espiritual. O racionalismo se torna centro da mente humana. A partir de então, para se saber algo sobre qualquer coisa, são necessárias duas operações da razão: dividir a coisa a ser conhecida em partes mensuráveis, e estabelecer um método ordenável para a explicar. Todo o universo passa a ser então uma questão de peso, tamanho e distância, toda a experiência uma questão de método e o que não se enquadrar nesses requisitos básicos será ignorado.
Blaise Pascal nasce nesse ambiente. Mais que isso, ele nasce na França, em familia de posses, único filho homem de pai erudito. E é esse pai que logo percebe a precocidade do filho. Aos 7 anos ele já resolve problemas de matemática e lê a obra de Euclides. ( Voce já notou que é a partir desses anos 1600 que a matemática passa a ser a rainha do conhecimento ). Pascal se torna geômetra, e cria a primeira máquina de calcular da história. É ele o homem que primeiro caminhou na direção do que seria o computador. Pois bem. A partir dos 30 anos a vida de Pascal dá uma guinada. Ele se torna jansenista. Se voce já viu algum filme de Bresson sabe um pouco do que seja o jansenismo. Não? Direi.
O jansenismo é uma corrente cristã francesa que prega o absoluto despojamento. Não é como o franciscanismo, nada há de mendicante. O que se faz nele é um rigor absoluto, a certeza inabalável de que tudo o que vem do corpo é impuro e que todo o prazer deve ser evitado. Assim, qualquer espécie de experiência prazerosa precisa ser purgada. O catolicismo romano logo passou a perseguir os jansenistas que viam no catolicismo vaidade e luxo.
Mas não se assuste, a filosofia de Pascal não é pregação. Falarei aqui do inicio de seu mais lido livro, Os Pensamentos. Para Pascal, vivemos em ilusão. Tudo o que pensamos, falamos, sentimos é tingido pela fantasia. O homem é incapaz de viver na realidade. Jamais falamos o que pensamos, na verdade mal sabemos o que pensamos. Nossa mente funciona sempre na apreensão do futuro e nas certezas do passado. O presente nos é desconhecido. Futuro que não existe e nunca será como pensado, e passado que é valorizado de forma fantasiosa. Para Pascal, a vida é movimento, jamais somos o mesmo dois dias seguidos. Nossos amigos mudam, as coisas mudam. Nada é igual a nada, não existem dois dias iguais, não existem dois seres iguais. Mas somos incapazes de apreender essa transformação incessante, não conseguimos ver a exuberância da vida e então ignoramos as coisas. Cremos que todo bago de uva é igual a seu vizinho, queremos crer que todo cão é como outro cão, sentimos segurança crendo que todo homem é igual. Mas nosso coração intui que não é assim.
Pascal no inicio fala também sobre as distrações. O homem é incapaz de ficar quieto em seu quarto. Vem daí toda a dor de viver. Porque? Porque precisamos de distrações, não suportamos viver em nós-mesmos, olhar para dentro e saber que tudo é abismo. Nossa vida tem apenas uma certeza, a morte. As distrações nos livram, futilmente, dessa certeza. É por isso que trabalhamos, jogamos, flertamos, viajamos. Pascal diz: dê à um jogador o prêmio do jogo e voce verá um homem infeliz. Dê uma lebre ao caçador de lebres e voce verá um caçador entediado. O homem é infeliz por "sonhar com o repouso e só poder viver em movimento". Toda sociedade que endeusa as distrações é infeliz. A distração é a medida da dor.
E a vaidade é parte desse todo. Vaidade é tudo. Filosofamos para que alguém nos admire, amamos no intuito de sermos admirados e invejados por vivermos nosso amor. Exibimos nossas dores como um tipo de troféu de nobreza. E cometemos a maior das vaidades: posamos de corajoso e realista ao bradar que a vida é dura e que a morte é certa. Não há maior vaidade que a de se dizer que Deus não existe e que tudo é um nada. A vaidade da pseudo-coragem. ( Bergman? Nietzsche? ). Mas esse mesmo realista que se gaba de sua coragem isenta de consolos, é o mesmo ser assustado que necessita de jogos, bebidas e sexo para se distrair. Estar em solidão consigo mesmo lhe é insuportável.
Animais vivem o aqui e agora, na realidade do movimento, do presente. A razão do homem lhe impede qualquer contato com o agora e o repouso vazio.
Pensador que escreve bem, Pascal tem suas diferenças com Montaigne ( Pascal o considera um vaidoso que fala apenas de si-mesmo e é incapaz de parar e pensar sózinho ) e com Descartes ( que seria um ordenador racional assustado ). Nada há de místico em Pascal, ele pensa em ordem e não em maravilhamento, mas critica a cegueira e o medo no homem.
Esse é o começo de seu admirável e canônico livro. Já é um dos meus favoritos.