O FILÓSOFO MAIS FORA DE MODA: PASCAL

Termino então Os Pensamentos de Pascal. E se na primeira parte ele pouco se ocupa explicitamente de religião, todas as 150 páginas seguintes têm a questão cristã por assunto. E em meio a elas um pensamento que me assombra ( por sua clareza exemplar ): Ateus pedem uma prova da existência de Deus. A resposta de Pascal é a mais engenhosa que já li: César ou Xerxes se mostraram em todo seu poder e magnificência. Todos então foram obrigados a submeter-se a eles: bons e maus, ricos e pobres, falsos e sinceros. Se Deus, ou melhor, se Jesus viesse a Terra e se mostrasse em todo seu poder, quem o seguiria? Todos, seduzidos por sua força, por seu poder, por sua garantia de proteção. Mas, do modo como as coisas se dão, sómente os que possuem fé, os bons, os não-egoístas, os humildes podem aceitar a existência de um Ser que só existe em seu coração. Seguir alguém que é poder visivel e é presença que obscurece nada prova, amar alguém que não se mostra e é busca no infinito, isso prova muito.
Com esse pensamento não se dá por encerrado o debate, debate que Pascal reconhece ser necessário sempre, mas se dá uma lógica perfeita, uma aposta numa possibilidade que vai além do existe porque eu creio, ou o não existe porque nunca o vi. Nas páginas em que Pascal fala sobre a necessidade da crença ( os que não creem são alegres e sempre infelizes, os crentes são tristes porém felizes ), há algo de muito claro, muito certo e ao mesmo tempo terrível. Jesus veio ao mundo para se sacrificar. É fato. E aí há algo que esquecemos: ele poderia ser um super-herói, ou um poeta bardo, ou um filósofo. Mas não, foi um pobre traído pelos amigos, solitário. Porque? Jesus simbolizaria nossa sina rumo a perfeição. As suas adversidades são as nossas mesmas e sua morte na cruz é a morte de nosso eu. Sim, pois a frase mais chocante em Pascal, e que ele repete várias vezes é de que é preciso ODIAR A SÍ-MESMO. Odiar o eu. Qual a lógica nisso? Se voce odeia seu eu voce deixa de se guiar pelo seu desejo, e se voce deixa de se guiar por seu desejo voce deixa de temer a morte, pois teme a morte quem não aceita o fim dos sentidos, dos desejos, do eu. O ego é a fonte de todo o mal do ser e do mundo. Tudo aquilo que vem do ego é sempre ódio ao outro e vaidade sem fim. O que o eu quer é ser atendido, adulado, e preservado. Jesus é o anti-ego, a submissão ao outro, a doçura e o sacrificio sem vaidade, anônimo. Para Pascal, é impossível ser feliz com amor ao eu.
Mas há mais, muito mais....
No homem existem apenas duas fomes válidas: a fome de espírito e a fome por justiça. Todas as demais sendo empobrecedoras e anti-humanas, fomes de animais. A imaginação tolhendo toda a compreensão da vida. Imaginamos o que o outro é, o que ele quer dizer, o que devemos sentir, o que somos e o que não somos, o que a vida significa, e assim jamais vemos a realidade.
Pascal, filho de seu tempo, tem um pensamento que me é detestável. O de que por não falarem e não criarem alternativas de comportamento, os animais são máquinas que comem e dormem, seres sem sentimentos, sem alma. Descartes dizia o mesmo. O excesso de racionalismo leva sempre a isso, por não serem racionais os animais seriam objetos que se movem. Felizmente esse é um pensamento cada dia mais morto ( o que prova por outro lado que pensamentos menos racionais e mais abstratos nos dominam agora ).
No homem haveria uma luta sem fim entre paixão e razão. Jamais se deve optar por uma das duas, deve-se fazê-las escravas de si. Ser o senhor da razão e o dono da paixão, pois razão sem freio torna-se egoismo e paixão se faz vicio.
Pascal usa um belo argumento para ilustrar a crise do homem ( sim, se fala da crise do homem desde essa era, aliás essa crise nasce na geração de Pascal e Espinosa ): o cego que um dia viu o mundo tem saudade da visão, um paralítico que um dia correu sente falta de andar, mas alguém que já nasceu cego ou entrevado não pode ter saudade do que nunca conheceu. Pois bem, se o homem sofre dessa nostalgia de tempos melhores, se ele sente que sua vida poderia ser maior e melhor, é porque um dia ele assim o foi. Não inventamos essa saudade do nada, ela é recordação verdadeira, nostalgia de algo de real que foi perdido. Saudade de uma felicidade que houve e foi quase esquecida. Saudade da fé verdadeira, fé sem dúvida, sem crise, sem pudor. Saudade de Deus.
Tudo em nós tende para nós mesmos, queremos ser amados. Isso é injusto. Devemos tender para fora, amar. Nascemos portanto maus e depravados. Eis outro pensamento pouco "simpático" de Pascal. E é maravilhoso ver o pensamento de um homem que nunca se preocupou em ser simpático ou róseo, um homem da religião verdadeira, e não da igreja auto-ajuda-veja-como-somos-todos-inocentes. Pascal pede que nos ajoelhemos, que joguemos a vaidade ao lixo, que amemos a Deus mesmo não tendo garantia nenhuma de sua existência, que sejamos para fora de nós e nunca dentro do eu.
Mais ao fim, Pascal faz uma leitura da religião judaica que deve irritar muito aos judeus. Ele não a condena, mas diz que o judaísmo teve como única missão a de ser o berço do cristianismo. Que tudo no velho testamento é anúncio de Jesus, preparação para sua vinda, e que os atos dos judeus tinham de ser como foram no teatro da vida humana. Anunciar o Cristo, não crer que Jesus fosse esse Cristo, condená-lo, ignorá-lo e crucificá-lo. Esse o caminho a ser refeito por todo cristão, de hoje para todo o sempre. Se Jesus viesse como rei ( que era o que os judeus esperavam, um novo Davi ), ele seria um usurpador, um exemplo impossível de ser seguido, um ditador.
Pascal..... será que passei quase meio século enganado?
Aliás, em mundo de eus inflados e exibidos, de desejos atendidos, de sorrisos infelizes, existe filósofo mais fora de moda e mais necessário?