PRATO DO DIA, UMA LEMBRANÇA DE COMO SE COMIA EM SÃO PAULO NOS ANOS 70.

Risoto à Catarina era uma montanha de arroz cozido com molho de tomate e frango desfiado. Misturava-se ervilha e sobre tudo se depositavam seis fatias de presunto frito. Era minha comida favorita no bar do meu pai. De uma fartura imensa, o sabor de ervilha com frango era irresistível. Prato comum nos botecos da cidade, ele foi abandonado quando os MacDonalds fizeram falir os bares de salão grande que serviam refeição. Os frequentadores eram os gerente de bancos e lojas, mas também os balconistas, compradores, todos lá se uniam. Havia mais: Bife à Cavalo era prato comum e conhecido em todo lugar, hoje pouco lembrado. Um contra filé de dois palmos com três ovos mal passados descansando sobre a carne. A gema, mole, escorregava sobre o filé e o arroz que descansava debaixo de tudo. Era bom demais. Um outro prato sempre pedido, que eu adorava, era o Bife de Fígado com fritas. Um gigantesco bife de fígado de boi, bem passado, com batatas fritas que eram temperadas pelo suco que saía do bife ao ser cortado. Postas de Cação ao Molho. O peixe cozido numa panela grande, mergulhado em tomates, cebolas, azeite, alho. Acompanhado por batatas cozidas. Rabada. O rabo do boi cozido longamente em panela de pressão, um cheiro rico, irresistível, prato para se comer com as mãos, fiapos enfiados entre os dentes, o molho grosso, gorduroso, capturado pelo pão fresco. Dobradinha, talvez fosse a comida que mais me dava prazer. Um caldo grosso, quente, fumegante, com feijão branco, bucho, temperos em quilos e quilos. Para quem nunca comeu, o bucho não tem gosto, ele apenas engrossa o caldo e tem uma textura deliciosa. É como morder uma carne que derrete ao ser tocada. A Feijoada era outra na época. Vinha com mais carne seca, grandes cubos desfiando no caldo fervente. O feijão vinha à parte, em sua cumbuca com paio e lombo. Orelha, focinho, rabo, pé de porco, as pessoas tinham fome, tinham estômago, comer era um prazer, o maior dos prazeres. A Lasanha tinha três andares: presunto, queijo e carne moída. O molho escorria a cada garfada e a massa era firme, pedaçuda. Meu pai nunca servia Virado a Paulista, então esse prato não faz parte de minha memória afetiva e gulotiva, mas o Espaguete com Almôndegas é inesquecível. Imensas bolas de carne nadando em tomate, o ato de cortar uma ao meio, ato que era recompensa pelo trabalho do dia, o vapor saindo lá de dentro, o sabor de carne suculenta, o espaguete grosso, escorregadio e o pão para limpar o prato no final. Proust tinha razão, nossa memória de cheiros e sabores é viva, surpreendente! O Filet de Pescada com Fritas, o mais barato dos pratos de então, hoje o peixe está caro, Pescada não se acha mais, frito, ele estalava nos dentes ao ser mordido. Mais barato? Não! O prato dos Office Boys era o Comercial, arroz e feijão, salada de alface e tomate, e um bife fininho. E barato era também o Picadinho, um cozido de carne com batatas e cebolas, quente, grosso, prato que agora, ao escrever, ainda me faz salivar. --------------- No balcão o copeiro deixava garrafas de caipirinha e batidas de frutas, cortesia da casa para abrir o apetite. Sobremesas, meu pai oferecia apenas três: Pudim de Leite, do qual ele tinha imenso orgulho. Era um pudim gigante que era cortado em fatias triangulares. Muito elogiado por ser pouco doce, era feito por ele mesmo, daí seu orgulho. Quem resistisse ao pudim teria salada de frutas ( mamão, laranja, maçã e banana, tudo em pedaços grandes, nada dos picadinhos minúsculos de hoje ), ou Quindim, esse não muito cotado, único prato não feito na cozinha do meu pai, era comprado numa doceira da rua ao lado. ---------------- Botecos da época, falo de 1973, 1978, vendiam pouco sanduíche. O grosso eram esses pratos, comidos no balcão ou em mesas para quatro. Coxinhas e empadinhas, feitas na hora, imensas de grandes, vendiam muito também, e quando se pedia sanduíche ele era misto quente, baurú ou americano. Não se falava em hamburger. O Americano era soberbo: pão de forma com queijo prato, presunto, ovo frito, alface, tomate e maionese. O queijo esticando ao ser mordido e o presunto dourado, bem passado. Pra beber? Eu mandava duas Fanta laranja, sempre a minha favorita, mas tinha 7UP, Gini, Pepsi, Taí, Ginger Ale. Meu pai nunca vendeu Tubaína não.... ------------------- Saudosista este post? Sim, é. Havia nessa comida uma pessoalidade, a marca da mão da cozinha, mesmo simples, mesmo modesta, uma riqueza de gosto e de cheiro, um conforto caseiro que não existe em nenhum fast food e está ausente em 90% dos bons restaurantes. Nos Fast food a comida não tem cheiro e possui pouco sabor. O atendimento é antipático, frio, apressado e voce mal percebe o que come e comeu. Já nos restaurantes, os ruins são apenas ruins, e os bons vendem uma "experiência gastronômica", ou seja, um ato que está mais ligado a um show que a uma refeição calorosa e confortante. -------------- Suado pelo trabalho, voce tirava o paletó e o apoiava no encosto da cadeira, respirava fundo e gritava no salão: Oh Charuto! Tem Dobradinha ainda? E o Charuto, apelido do Antonio Carlos, gritava, caneta enfiada atrás da orelha, " Tem só mais uma! Manda?" Voce estava em casa. E isso custava pouco e valia muito. Muito sabor.