POR QUÊ INGMAR BERGMAN

Eu não acho a filosofia dos filmes de Bergman atraente. O que seus melhores filmes dizem nada tem de original. E não há neles nenhuma visão original sobre a vida. Bergman fala do mundo sem Deus, da falta de sentido da vida, da solidão invencível que vence todos nós. do mal como força que molda o mundo. Nada disso é original e nada disso é dito de modo novo. Em todo filme de Bergman, mesmo em alguns que adoro, Noites de Circo e Juventude por exemplo, há um momento em que ele explicita essa visão de vida, e é nesse momento que me sinto quase constrangido por ver uma obra tão maravilhosa ser quase estragada por duas ou três frases tolas. Mas então o que me faz amar tanto seus filmes? E por quê eu não sinto a mínima depressão em vê-los? A não depressão é simples de explicar: não afundo em tristeza porque não levo à sério sua mensagem. Bergman fala da tristeza e do desespero,mas seus filmes, tão perfeitos, tão bem feitos, são uma ilha de ordem no mundo. Eles negam o Kaos de um modo prático. Se a vida fosse tão absurda sua arte não existiria. O trabalho que ele realizou é vitória sobre o não sentido. Bergman é assim um anti Pasolini por exemplo. O cinema tosco e sujo do italiano advoga a inutilidade da beleza e a futilidade da razão. Bergman salva os dois valores. Amo profundamente seus filmes por causa exatamente de sua ordem e de sua retidão. Nada nele parece ao acaso. Nada fora do lugar. Tudo está posto onde sempre deveria estar e cada cena é um mundo perfeito dentro de si mesma. Bergman tem vários filmes fracos, mas nenhuma é mal feito. Nenhum é medíocre. Nenhum parece um erro. Mesmo os ruins são perfeitos. Erros que são como etapas a serem cumpridas. O modo como ele vê a vida é acima de tudo estético. Ele percebe a beleza da vida em sua aparência. A falta de sentido que ele advoga é sempre atenuada pela beleza de seus cenários, pela luz que ilumina seus filmes. Em Bergman a vida pode ser cruel, mas ela nunca é suja. Eis a razão de seu amor por Mozart. Veja Morangos Sivestres. Desde a primeira fala, um professor em seu escritório confessa sua solidão, há em todo filme a presença de uma mente nobre que tudo ordena e tudo clareia. O velho professor está só, sua vida está terminando, mas o que vemos é um mundo luminoso ao seu redor. Bergman se trai: o homem sofre, mas tudo ao redor fala em comunhão com o todo. Deus não é algo que jamais existiu, Bergman na verdade crê num Deus que saiu de cena e nos esqueceu. Um criador que se desinteressou pela obra. O oposto do que Bergman fazia, o sueco amava sua obra e nunca a deixava na mão. No mundo do cinema, apenas Kurosawa se aproxima de seu poder de ordenar o kaos e de dar luz às trevas. A grande diferença dos dois é que Kurosawa não nega seu amor aos homens, Bergman, tímido, tenta nos fazer crer que sente desgosto pela vida. Mas sua obra o trai. Citei a palavra nobreza. O cinema de Bergman é nobre por jamais apelar. Bergman não nos exige simpatia, não nos obriga a chorar, não barateia nada. Inexiste a sujeira da pornografia em seus filmes. Ele se recusa a explicitar. Alguns de seus filmes são rodeados pela dor, mas nunca há o barateamento da lágrima. Bergman jamais filmou para chocar. Ele é nobre, elegante, nunca histérico. Seus filmes, diferentes de qualquer outro tipo de cinema, são um universo aberto, frios mas nunca secos. Guardo suas obras como um tesouro dentro de mim.