COMO SER UM HOMEM HOJE?

   Em Rastros de Ódio, o mitico filme de John Ford, Ethan, o personagem de John Wayne, parte em busca de uma menina que foi raptada pelos indios. Com ele vai um jovem mestiço e no filme vemos a transformação desse jovem em homem. O momento de sua transformação seria aquele em que ele se rebela contra Wayne. O filme, feito em 1956, coincide com esse que foi o ano do rock, o ano de Elvis. De repente, com a ajuda dos beats, se vendeu para a primeira geração americana criada em frente à TV, a ideia de que virar adulto era se rebelar contra os adultos. Estranho não? Ser adulto era brigar com um adulto, na maioria das vezes, o pai. As gerações seguintes aceitaram com alegria essa verdade. Essa nova verdade. Para ser um adulto voce tinha de enfrentar o mais velho e além disso criar um modo novo de ser. Voce tinha de nascer outra vez. 
   Nesse processo muitos afundaram, outros se perderam e ficaram brigando para sempre e a maioria simplesmente desistiu. Se para ser adulto eu tenho de ser brigão, rebelde, e ainda criar um novo EU, bem, eu prefiro ficar onde estou. Começou aí a infantilização. O jovem, que tinha de ser herói, entrega os pontos. As mães adoraram isso. Abriram os braços para aquele novo filho, um filho que queria ser novo para sempre. E o filho, perdido entre o dever da rebeldia e a incapacidade de se recriar, ficava num meio termo irritado. Vergonha e prazer. Vergonha de ter desistido, prazer pelo conforto. 
  Essa a minha hipótese. E mais uma vez sou obrigado a jogar a culpa sobre os teens do rock. Os hippies e etc. Vamos voltar ao filme. O jovem, papel de Jeffrey Hunter, amadurece ao se afirmar perante Wayne. Mas, e Ethan? O que ocorre com John Wayne? Ele parte porque odeia os indios. Quer na verdade se vingar. Encontrar a menina é secundário, ele quer o sangue. Mas ao encontrar a menina, agora crescida após anos de busca, Ethan faz o mais belo movimento da história do cinema ( segundo Godard e segundo este que vos fala ), ele a perdoa, a aconchega e a leva de volta para casa. Devolvida a menina à comunidade, o jovem que o acompanhou prestes a se casar, Ethan-Wayne parte. E temos o mais belo final de filme da história, Wayne na porta, indo, mas na verdade sem querer mais partir. John Wayne, e tinha de ser ele, mostra para quem quiser ver, o que significa ser adulto. Ethan começa imaturo e é ele aquele que realmente se transforma. Gosto de pensar que a partir dali ele encontrou uma mulher e foi viver numa cabana de madeira, onde criou dois filhos. 
  Escrevi mais de uma vez aqui que esse filme salvou minha vida. E que sempre que o revejo sinto meu pai próximo de mim. Fosse refeito hoje eu tenho a certeza que todo o foco seria no jovem e o personagem de Wayne seria secundário. 
  Agora falo sobre o cinema de 2015. Gostei da última entrega do Oscar. Mas uma coisa sempre me incomoda. A cada ano que passa os atores parecem mais e mais crianças. Pensava que era pelo fato de que a cada ano fico mais velho. Mas não. Eles são cada vez mais frágeis, delicados, vulneráveis, ou seja, infantis. Sua forma fisica e suas vozes combinam com os filmes que lhes são oferecidos. Filmes para crianças que brincam, sem saber, de ser adultos. Gosto muito, às vezes adoro, dos filmes de Tim Burton por exemplo. Como agora gosto dos filmes de Wes Anderson. São filmes bonitos, às vezes tristes, às vezes cômicos. E sempre profundamente infantis. O visual é o mesmo dos livros para crianças e eles têm uma imensa incapacidade de exibir relações entre homens e mulheres que não se pareça com um cartoon. Ou um conto de fadas. Isso não os desqualifica. São ótimos. E no caso dos dois, são honestos. Nenhum dos dois fica fazendo pose de adulto. São assumidamente infantis. E essa pode ser, eu não sei, uma característica adulta: assumir suas criancices. 
  O trágico é quando um filme infantil é visto como obra de um adulto. Não vou citar Lars Von Trier, um adolescente de 14 anos, embirrado, que brinca de chocar os pais.  O que devo dizer é que a maioria dos filmes de arte de agora são filmes de arte feitos por colegiais. Eles falam daquilo que teens conhecem, tristeza, solidão e raiva, e se perdem completamente quando falam do que teens não sabem, mas imaginam saber, amor, familia, trabalho, morte. Tudo é borrado com as cores de um adolescente egocêntrico que se imagina inteligente, culto e cheio de verdades a serem ditas. Nada é mais infantil que isso. Desse modo temos montes de filmes que brincam em ser Kubrick, Hitchcock ou Bergman. Mal sabem eles que nada foi menos infantil que Kubrick, Hitchcock e Bergman. Se soubessem de seus limites eles imitariam Bunuel, Fellini ou Welles, que foram gênios, mas que sempre mantiveram um pé na infantilidade. No caso dos três, consciente. 
   Preciso falar agora que quando Picasso diz que passou a vida lutando para voltar a ser criança, isso não significa que ele lutou para voltar a colecionar brinquedos ou a brincar de Batman. Como adulto, ele queria poder adentrar o mundo simbólico e sem palavras da criança. Era um adulto vendo o mundo infantil. Não pensem que Lewis Carroll ou James Barrie eram infantis. Walt Disney entendia as crianças. E por isso não poderia ser uma delas.
  Crianças odeiam ser crianças. Teens detestam não ser adultos. Só adultos infantilizados amam essa fase da vida. Ser criança é ter medo. Medo de ser abandonado. Medo de se perder na rua. Ser criança é estar sempre de olho em si-mesmo. Ligado na sua fome, sua sede, sua dor, seu desejo. Não existe o voce. Tudo é eu. O mundo mágico e lindo existe. Mas a criança não pensa nele, ela está dentro dele. É o adulto que percebe sua beleza quando já saiu dele. Ele é real. Tão real que na infância mal se percebe. Adolescentes são como crianças em quase tudo. Menos no contato com o voce. O voce existe e esse ser dá ao adolescente raiva, por ter invadido seu mundo, e desejo, por se parecer com uma porta. O adulto de 2015 muitas vezes fica na ansiedade dessa porta. Com a mão na maçaneta. Sem a abrir. E pode crer, eu sei do que falo.
   Ele usa bermudas. Fala montes de palavrões. Adora brincar. Nada parece muito sério. E é cheio de teorias adultas, verdades filosóficas. Vive mudando de metas. Viaja, experimenta, procura descobrir quem vai ser quando crescer. E tem 45 anos. 
   Mora com uma mulher. Mas não têm filhos. Quem sabe um dia. Moram juntos como quem brinca de casinha. Sem nenhum compromisso do mundo dos adultos. Sem filho, sem papel e sem casa comprada. Tudo provisório. Tudo de brincadeira. A palavra :: para sempre:: os apavora. 
   Não falarei do fim das cerimônias tribais. Dos atos que faziam do menino um adulto. Prefiro falar de duas que viraram brinquedo. 
   Meu irmão serviu o exército. E servir poderia ser um ato de virar adulto. Ele mudou, endureceu. Mas não ficou adulto. Por dois motivos. Primeiro porque servir é um ato sem significado algum. Ninguém mais fala que servir é virar homem. E o principal, voce sai de lá como entrou. O mundo não reconhece em voce um adulto, Na verdade te chama de azarado.
  O outro ato eu o cumpri. Entre católicos, aos 14 anos, voce é crismado. Crisma é o momento em que o menino, que foi batizado quando bebê, confirma a opção dos pais pelo Papa. É quando ele deve pensar na sua fé e a aceitar. Ou não. Eu a fiz como um zumbi. Não fazia a menor ideia do que era aquilo. E nem meus pais sabiam muito bem. 
  O limite do exército seria a guerra. E eu acho que nem a guerra hoje deixa de ter seu aspecto de brinquedo. E o passo após a crisma é o casamento na igreja. Cerimônia que hoje pode ser revertida em divórcio. O casamento é agora uma festinha de conto de fadas.
  A saúde da mente se exerce no equilibrio, impossível, entre o mundo sólido e o mundo interno. Toda dualidade deve ser aceita. Não podemos ser adultos absolutos, isso seria outra doença, mas ser adulto significa ser responsável por decisões, ser capaz de defender e abrigar pessoas, ser parte de uma comunidade que se aceita e não que se impõe. E ao mesmo tempo ter contato com esse mundo criativo e simbólico da infância. Mas sabendo que é o mundo DA infância, vivo e presente, mas nunca o único mundo possível e desejável.
   Nada  mais infantil que um filme de Tarantino, de quem eu também gosto. 
   Você consegue recordar um só casal adulto nos seus filmes? Há apenas um, Bruce Willis e Maria de Medeiros em Pulp Fiction. Ele cuida dela. Ela não é perfeita. Eles estão na cama apenas conversando. Um lapso na obra de Quentin, toda ela feita de mulheres gostosas e perigosas e de homens que falam como garotos na lanchonete da esquina. 
   Em um mundo de Homem de Ferro, onde Batman e James Bond são levados a sério e onde cada vez mais as bandas de rock se parecem com menininhos brincando no quarto,  ser adulto se tornou a maior e a única das rebeliões.