TRÊS DE JULHO DE DOIS MIL E OITO

    O mundo atual nos salva da dor de dentes. Cura nossa gripe e nos distrai do vazio. O mundo nos dá melhor comida, melhores roupas e bons carros. oferece a nossa vida amigos, sexo e boas drogas. Supera a insonia, a impotência e até a calvície. O mundo atual me dá o prazer de falar com minha tia na Europa, reencontrar um amor perdido e viajar pelo globo inteiro em uma semana. O mundo atual é uma festa, uma balada, uma excursão à Disney. Ele nos dá lindos cachorros, belos babys e doces lembranças. 
  Mas...O mundo atual desistiu. Ele não tem mais ilusões, e nisso ele mostra sua sombra. Se na sua superfície ele é um garoto de 14 anos, sorridente, disposto, ágil, na sombra ele é um velho sem dentes. Ele desistiu de curar a violência, ele aceita a guerra como um mal necessário. Ele é cínico com o amor, relativiza tudo, teme errar, ele é um velho agarrado ao controle remoto. 
  Não sonha. Pior, ri de quem sonha. E despreza quem cria o original.
  Os homens que construíram nosso mundo derrubaram uma floresta. Foram objetivos, pragmáticos, científicos, limpos. Expulsaram da vida a superstição, o hábito sem sentido, a tradição e tudo que fosse antigo. Arrancaram rochas do caminho, desviaram rios e secaram raízes. E nesse processo nos tiraram heróis, deuses, sentimentos e intuições. 
  Valeu a pena?
  Pensei tudo isso seis anos atrás, quando o caixão de meu pai foi lacrado. Como se ele fosse escapar da sua definitiva embalagem. Higiene né?
  Eu pensei então que o mundo moderno nos ensina a lidar com o sexo, com o trabalho e com o tempo ocioso. Mas ignora o amor, o sonho e o vazio. E nada nos oferece para consolar a perda, a morte. Roubaram de nós a certeza de Deus, nos deram a dúvida, e o que nos ofereceram em troca? A pseudo-verdade? Que verdade?
  O caixão desceu à terra. E nenhuma modernidade me preparou pra isso. O horror da morte. A modernidade se cala, impotente.
  Uma semana depois fui `a missa por meu pai.
  Ergui os olhos ao altar. Azul. E o senti, presente, ao meu lado.
  Uma instituição de dois mil anos me deu aquilo que eu precisava. Verdade ou não, pouco importa: funciona. E entendi.
  O mundo atual, criança e velho, brinca e grita, ri e teme, e ignora o que realmente importa. Paz, vida e morte. Amor, tempo e criação. Fora isso, só remédios e distrações.