SEM OLHOS EM GAZA- ALDOUS HUXLEY

   Terminamos de ler com uma sensação de sufoco. Escrito anos após Contraponto, ele está longe da perfeição formal dessa obra-prima. Este é muito mais torto. Falho. Cheio de erros. Por isso, incomoda. A gente sente estar diante de uma obra, grande e invulgar, mal feita. Isso acontece porque aqui o homem Huxley vivia uma transformação. Ele superava o niilismo de sua mocidade e começava a abraçar a busca espiritual de sua maturidade. Aqui ele escreve a travessia. E ela é árdua. Terrivelmente escura.
  Acompanhamos a vida de Anthony Beavis. De 1911 até 1936. Mais ou menos. E a forma que Huxley dá ao livro não nos ajuda. Em certos capítulos tudo é escrito como um diário, com data e narração em primeira pessoa. Em outros trechos é tudo em terceira pessoa, o narrador se torna o autor, distante e neutro. O tempo nunca é cronológico. O tempo avança e recua. Um quebra-cabeças. 
  Anthony perde a mãe quando criança e aprende a reprimir a dor. Se torna um homem neutro, sem vontades, alienado. Faz amor, casa, escreve, pensa, mas nunca sente. Dá desculpas para sua covardia. Foge de compromissos com a vida. Helen é filha de Miss Amberley. Ele namora a mãe, uma ricaça fria, vaidosa e volúvel, e depois casa com a filha, uma menina oca que vira militante comunista. Há ainda o pai de Anthony, um scholar fútil, os amigos de Cambridge, desde um gago obcecado pelo pecado da carne, até um niilista radical que procura a morte em aventuras vazias e revolucionárias. E mais gigolôs, missionários, católicos, ateus, jogadores, viciados...Politicos e dondocas. Uma multidão de pessoas vazias, hiper-ativas, histéricas, ninfo. O sexo permeia tudo. E Huxley, como ele mesmo diz, discursa nas entrelinhas.
  Nenhum dos personagens é Aldous Huxley. Anthony se torna, talvez, a voz de Huxley apenas nas últimas vinte páginas. Ou nem isso. O romance nunca é de panfletagem, na verdade Huxley exibe os erros do século: capitalismo, mas também comunismo, fascismo, e a corrupta democracia. 
  Ele aponta o dedo contra a forma de progresso que temos. O que progride é a matéria, a alma nunca progride. Temos o trator ou a penicilina, mas não conseguimos progredir e sair da caverna. Continuamos nos guiando pela violência. Huxley admite, o homem é naturalmente violento, mas e daí?  O homem poderia e deveria fazer a grande transformação e se tornar pacifista. O homem natural também não escreve ou dirige carros,ele aprendeu isso, porque não negar a natureza e aprender a ser pacífico? 
   Todos os personagens se perdem. Todos são destruídos por se envolverem com a vida levando a sério o que não é sério. A mensagem final do livro é hoje datada. Mas não superada. E nisso vai imensa diferença. Ela é datada porque, felizmente, muita gente em 2014 a segue. E não é superada porque o mundo de 2014, o mundo em sua lei geral, é o mesmo de 1940. Continuamos achando que o amor é algo à margem da vida, um tipo de luxo, uma sorte para poucos. Ou pior, ficção. Continuamos reagindo com violência à violência. E continuamos confundindo covardia com coragem. 
  Huxley prega o budismo zen. E hoje isso é um chavão. Mas quem segue? Falar se tornou um chavão, seguir não. Miller, um médico que Anthony encontra no México, no fim de sua jornada, fala dezenas de chavões hippies. E nenhum desses quase irritantes chavões pode ser contestado por quem tenha o mínimo de sabedoria na alma. Huxley foi um viajante. O que aqui ele escreveu era novidade na época. E era corajoso pregar o pacifismo no tempo do nazismo. Huxley se coloca claramente contra Hitler, mas também contra Stalin e contra os conservadores. O que ele pede é a revolução individual. Que cada um mude tudo dentro de si e fora de si. Que mude o modo de viver, o modo de sentir, o modo de falar. Que se torne vegetariano, pacifista, calmo, justo, nobre e veja em cada um uma parte de si-mesmo. 
   Ele não nega que isso é religião. E talvez, na página mais desagradável deste livro muito desagradável ( TODOS os personagens são terríveis ), Huxley diz que nós jogamos pedras nos heróis, nos deuses, nos mitos e nos exemplos....e agora temos o que?
   Aldous Huxley foi um grande homem.