Me surpreende a pobreza da história da Universal. Sempre soube que ela era, dentre as grandes, de segundo escalão. Mas não pensava que ela fosse tão de segunda! Porém, neste grande livro de Clive Hirschhorn, o que salta aos olhos é a ironia: a Universal, de certo modo, inventou sem querer aquilo que chamamos de cinema contemporâneo. Já explico como.
O livro, cheio de fotos, traz comentários sobre todos os filmes feitos pela Universal. De 1916 até 1985. Daí em diante nem seria interessante continuar, pois aquilo que entendemos por produção deixa de ter a marca, o DNA de um estúdio e passa a ser objeto de produção indistinta, geralmente um conglomerado. Quando voce vê num filme a chancela da Paramount ou da Warner, saiba que o que essas empresas fizeram foi apenas alugar estúdios e distribuir o produto. Mas não era assim, e os pioneiros, amantes de cinema com faro para aquilo que o povo queria, inventaram e criaram os gêneros de filme, aquilo que até hoje chamamos de cinema americano.
Ricas eram a MGM e a Paramount. Esbanjavam valores de produção e tinham as grandes estrelas nas mãos. A MGM criava filmes históricos, dramas românticos e os musicais. Aquilo que até hoje chamamos de filme de bom gosto, de filme luxuoso, é marca registrada da MGM. Já a Paramount ia pelo caminho da grande aventura e da malicia. Filmes sobre expedições a lugares exóticos, comédias escapistas, diálogos afiados. A marca da Paramount era a de ser liberal. Das companhias grandes era a que dava maior liberdade a escritores e diretores.
Abaixo das duas, ainda ricas mas não opulentas, vinham a Warner e a Columbia. A Warner tendo como trademark um certo realismo. Warner era sinônimo de filmes mais duros, mais crús e menos escapistas ( o que não a impedia de ser a casa de Erroll Flynn ). Policiais e dramas com Bette Davis, esses eram os filmes com a cara da Warner. Já a Columbia era a casa do pão-durismo. Fazia-se o máximo com o minimo e seus filmes falavam diretamente com o povão. Eram os filmes mais simples.
A Universal vinha abaixo desses quatro, vinha ao lado da RKO e da United Artists. Falo agora da Universal.
Em setenta anos apenas dois Oscars de melhor filme foi ganho pela companhia. Dois grandes filmes aliás: Nada de Novo no Front e Golpe de Mestre, 1930 e 1973. Foram quarenta e três anos sem prêmio. O que era a Universal ?
A casa de Drácula, de Frankenstein e da Múmia. A empresa nasce como a produtora de filmes de terror e de westerns baratos. As companhias mais ricas eram donas de redes de cinema, a Universal não. Imagine que desigualdade: a MGM fazia um filme e o exibia em seus cinemas, assim como a Warner, e até a RKO faziam. A Universal não. Para sobreviver ela precisou se concentrar nas cidades não atendidas pelas grandes, ou seja, o interior do país. A Universal passa a ser marcada pelos filmes populares, filmes curtos, baratos e de apelo. Terror e westerns.
É assustador ver a pouca presença de grandes diretores e grandes atores na Universal. Claro, às vezes há um filme com James Stewart ou de Hitchcock, mas isso é bem mais tarde. Em seu começo ela é a casa de Bela Lugosi e de Boris Karloff. Voce começa a perceber o que quero dizer? A Universal como criadora do cinema de hoje?
Séries de fantasia também são produtos da empresa. Maria Montez e Jon Hall fazem dúzias de filmes sobre As Mil e Uma Noites, assim como se fazem séries sobre um mulo que fala e uma familia de caipiras. Não há sutileza na Universal. A MGM jamais faria um filme sobre um mulo que fala!
Musicais pobres também são produzidos e Deanna Durbin, um fenômeno, consegue estar em bons filmes. Ela se torna a primeira grande estrela da companhia. Tudo fica nesse clima até os anos 50 que é quando a empresa muda de donos. A MCA compra a Universal e uma mudança ocorre, os filmes ficam mais "bonitos". Dinheiro começa a ser gasto, É quando eles produzem seus melhores filmes: os westerns de Anthony Mann e mais tarde Spartacus para Kubrick e Os Pássaros para Hitchcock ( e observe, nada de Kubrick e Hitch é tão "cinema de agora" como Spartacus e Os Pássaros ). Nos anos 50 o produtor Ross Hunter cria na empresa aquilo que conhecemos como "comédia romântica", molde que dura até hoje e que tinha Rock Hudson e Doris Day como ícones da empresa.
Assusta ver como a revolução dos anos 60 passou longe da Universal. Fizeram filmes ótimos como Charada de Stanley Donen, mas ignoraram o cinema de Lumet, Pollack e Frankenheimer. Penn, Nichols e Altman não teriam a menor chance lá.
Mas sim os disaster movies. Em 1970 eles estouram com Aeroporto, e de 1970 até 1977 a empresa vive seu apogeu em bilheteria. Se desde 1930, com seus filmes de terror e suas séries para o povão, eles indicavam sem saber o que seria o cinema do futuro, na década de 70 eles criaram o cinema de 2013.
Na década de 70, Warner e Paramount apostavam nos diretores. A Warner dava total liberdade a Altman e a Paramount bancava Coppolla, Polanski e sua turma. Essas empresas imaginaram que o futuro seria um certo tipo de filme autoral, contestador, de arte. Mas não a Universal. Ela apostou em Robert Redford, em Paul Newman e em Steven Spielberg. Em 1973, Golpe de Mestre quebra a banca ( é um filme maravilhoso ) e por toda a década Redford e Newman irão continuar fazendo seus big hits baseados em humor, ação e bons roteiros. E chega então 1975, e com ele o primeiro blockbuster como o conhecemos. Tubarão é lançado em centenas de salas, com marketing agressivo e se torna a segunda maior bilheteria da história. Mais, vira mania. As companhias grandes torcem o nariz, acham o filme careta, mas logo em seguida a Paramount dá espaço a Lucas e vem Star Wars. Pronto, nasceu o cinema como o conhecemos. Tubarão foi o primeiro, e não deixemos de falar, Lucas começou na Universal, American Graffitti é da companhia.
No fim da década a Universal lança mais um estilo de filme desconhecido até então, a comédia grosseira e sem roteiro. John Belushi se torna star da tela grande em 1978. Um novo filão. Devo dizer também que a Universal foi a primeira grande empresa a produzir muitos filmes para a tv. Columbo é da Universal e Clint Eastwood começou também por lá.
A MGM em seu auge tinha Garbo, Gable e Judy Garland. A Paramount tinha Dietrich, Cary Grant e Gary Cooper. A Warner era o lar de Bette Davis, Bogart e Erroll Flynn e a Columbia tinha James Stewart, Frank Capra e John Wayne. A RKO ia de Kate Hepburn e Fred Astaire....a Universal tinha Drácula, Flash Gordon e O Mulo Falante.
Filmes de terror, séries baratas, comédias românticas, blockbusters, disasters movies e comédias grosseiras. Tudo DNA da Universal. Quem criou nosso cinema?
PS: Imperdoavel falha! Esqueci da FOX!!!! Coloque-a logo abaixo da MGM e da PARAMOUNT. Seu caráter era o de seguir os passos das grandes. Fazia muitos musicais como a MGM. Comédias como a Paramount e aventuras tipo Warner. Só que sempre um tantinho mais pobres, mais bobinhas. Tyrone Power e Jennifer Jones eram as estrelas. E junto com a Columbia, colecionava prêmios Oscar.
O livro, cheio de fotos, traz comentários sobre todos os filmes feitos pela Universal. De 1916 até 1985. Daí em diante nem seria interessante continuar, pois aquilo que entendemos por produção deixa de ter a marca, o DNA de um estúdio e passa a ser objeto de produção indistinta, geralmente um conglomerado. Quando voce vê num filme a chancela da Paramount ou da Warner, saiba que o que essas empresas fizeram foi apenas alugar estúdios e distribuir o produto. Mas não era assim, e os pioneiros, amantes de cinema com faro para aquilo que o povo queria, inventaram e criaram os gêneros de filme, aquilo que até hoje chamamos de cinema americano.
Ricas eram a MGM e a Paramount. Esbanjavam valores de produção e tinham as grandes estrelas nas mãos. A MGM criava filmes históricos, dramas românticos e os musicais. Aquilo que até hoje chamamos de filme de bom gosto, de filme luxuoso, é marca registrada da MGM. Já a Paramount ia pelo caminho da grande aventura e da malicia. Filmes sobre expedições a lugares exóticos, comédias escapistas, diálogos afiados. A marca da Paramount era a de ser liberal. Das companhias grandes era a que dava maior liberdade a escritores e diretores.
Abaixo das duas, ainda ricas mas não opulentas, vinham a Warner e a Columbia. A Warner tendo como trademark um certo realismo. Warner era sinônimo de filmes mais duros, mais crús e menos escapistas ( o que não a impedia de ser a casa de Erroll Flynn ). Policiais e dramas com Bette Davis, esses eram os filmes com a cara da Warner. Já a Columbia era a casa do pão-durismo. Fazia-se o máximo com o minimo e seus filmes falavam diretamente com o povão. Eram os filmes mais simples.
A Universal vinha abaixo desses quatro, vinha ao lado da RKO e da United Artists. Falo agora da Universal.
Em setenta anos apenas dois Oscars de melhor filme foi ganho pela companhia. Dois grandes filmes aliás: Nada de Novo no Front e Golpe de Mestre, 1930 e 1973. Foram quarenta e três anos sem prêmio. O que era a Universal ?
A casa de Drácula, de Frankenstein e da Múmia. A empresa nasce como a produtora de filmes de terror e de westerns baratos. As companhias mais ricas eram donas de redes de cinema, a Universal não. Imagine que desigualdade: a MGM fazia um filme e o exibia em seus cinemas, assim como a Warner, e até a RKO faziam. A Universal não. Para sobreviver ela precisou se concentrar nas cidades não atendidas pelas grandes, ou seja, o interior do país. A Universal passa a ser marcada pelos filmes populares, filmes curtos, baratos e de apelo. Terror e westerns.
É assustador ver a pouca presença de grandes diretores e grandes atores na Universal. Claro, às vezes há um filme com James Stewart ou de Hitchcock, mas isso é bem mais tarde. Em seu começo ela é a casa de Bela Lugosi e de Boris Karloff. Voce começa a perceber o que quero dizer? A Universal como criadora do cinema de hoje?
Séries de fantasia também são produtos da empresa. Maria Montez e Jon Hall fazem dúzias de filmes sobre As Mil e Uma Noites, assim como se fazem séries sobre um mulo que fala e uma familia de caipiras. Não há sutileza na Universal. A MGM jamais faria um filme sobre um mulo que fala!
Musicais pobres também são produzidos e Deanna Durbin, um fenômeno, consegue estar em bons filmes. Ela se torna a primeira grande estrela da companhia. Tudo fica nesse clima até os anos 50 que é quando a empresa muda de donos. A MCA compra a Universal e uma mudança ocorre, os filmes ficam mais "bonitos". Dinheiro começa a ser gasto, É quando eles produzem seus melhores filmes: os westerns de Anthony Mann e mais tarde Spartacus para Kubrick e Os Pássaros para Hitchcock ( e observe, nada de Kubrick e Hitch é tão "cinema de agora" como Spartacus e Os Pássaros ). Nos anos 50 o produtor Ross Hunter cria na empresa aquilo que conhecemos como "comédia romântica", molde que dura até hoje e que tinha Rock Hudson e Doris Day como ícones da empresa.
Assusta ver como a revolução dos anos 60 passou longe da Universal. Fizeram filmes ótimos como Charada de Stanley Donen, mas ignoraram o cinema de Lumet, Pollack e Frankenheimer. Penn, Nichols e Altman não teriam a menor chance lá.
Mas sim os disaster movies. Em 1970 eles estouram com Aeroporto, e de 1970 até 1977 a empresa vive seu apogeu em bilheteria. Se desde 1930, com seus filmes de terror e suas séries para o povão, eles indicavam sem saber o que seria o cinema do futuro, na década de 70 eles criaram o cinema de 2013.
Na década de 70, Warner e Paramount apostavam nos diretores. A Warner dava total liberdade a Altman e a Paramount bancava Coppolla, Polanski e sua turma. Essas empresas imaginaram que o futuro seria um certo tipo de filme autoral, contestador, de arte. Mas não a Universal. Ela apostou em Robert Redford, em Paul Newman e em Steven Spielberg. Em 1973, Golpe de Mestre quebra a banca ( é um filme maravilhoso ) e por toda a década Redford e Newman irão continuar fazendo seus big hits baseados em humor, ação e bons roteiros. E chega então 1975, e com ele o primeiro blockbuster como o conhecemos. Tubarão é lançado em centenas de salas, com marketing agressivo e se torna a segunda maior bilheteria da história. Mais, vira mania. As companhias grandes torcem o nariz, acham o filme careta, mas logo em seguida a Paramount dá espaço a Lucas e vem Star Wars. Pronto, nasceu o cinema como o conhecemos. Tubarão foi o primeiro, e não deixemos de falar, Lucas começou na Universal, American Graffitti é da companhia.
No fim da década a Universal lança mais um estilo de filme desconhecido até então, a comédia grosseira e sem roteiro. John Belushi se torna star da tela grande em 1978. Um novo filão. Devo dizer também que a Universal foi a primeira grande empresa a produzir muitos filmes para a tv. Columbo é da Universal e Clint Eastwood começou também por lá.
A MGM em seu auge tinha Garbo, Gable e Judy Garland. A Paramount tinha Dietrich, Cary Grant e Gary Cooper. A Warner era o lar de Bette Davis, Bogart e Erroll Flynn e a Columbia tinha James Stewart, Frank Capra e John Wayne. A RKO ia de Kate Hepburn e Fred Astaire....a Universal tinha Drácula, Flash Gordon e O Mulo Falante.
Filmes de terror, séries baratas, comédias românticas, blockbusters, disasters movies e comédias grosseiras. Tudo DNA da Universal. Quem criou nosso cinema?
PS: Imperdoavel falha! Esqueci da FOX!!!! Coloque-a logo abaixo da MGM e da PARAMOUNT. Seu caráter era o de seguir os passos das grandes. Fazia muitos musicais como a MGM. Comédias como a Paramount e aventuras tipo Warner. Só que sempre um tantinho mais pobres, mais bobinhas. Tyrone Power e Jennifer Jones eram as estrelas. E junto com a Columbia, colecionava prêmios Oscar.