WOODY ALLEN, FLA X FLU E BENJAMIN

    A criatividade cala-se. Converso com um amigo, ontem. Este momento é um daqueles em que a criatividade está relegada a posição secundária. O que importa é o "mundo real", que na verdade ninguém sabe o que é. Um livro só será respeitado se falar da "triste condição humana" e quanto mais cinza melhor. O romantismo/simbolismo em baixa. O realismo/naturalismo em alta. Flaubert acima de Balzac.
   Engraçado o cinema. Aceitamos o "realismo" de Batman ou de Von Trier. Onde esse realismo? Na verdade nossa época é tão deprimida que todo filme down é aceito como real. Mesmo que tenha um tonto fantasiado de morcego ou viagens mentais de um umbigo narcisista. Toda obra cheia da alegre vitalidade da criatividade absoluta será vista com reservas.
   O fato é que as pessoas não estão ocupadas em nascer. Elas se ocupam em não morrer. Isso resume todo o mundo de agora.
   Leio um muito belo texto de João Pereira Coutinho sobre Woody Allen. Ele fala que as pessoas não levam Woody muito a sério porque ele não fez sua grande obra-prima. Ele não tem o filme perfeito. E isso é confirmado pelo próprio Woody Allen, que em entrevista recente, falou que nenhum de seus filmes podem ser comparados aos filmes de seu ídolo, Ingmar Bergman.
   Pois Coutinho diz que não é assim. Woody tem três filmes que podem ser comparados aos melhores Bergmans ( Crimes e Pecados, Manhattan e Hannah ), o problema é que Allen não teve, nunca, uma grande fase. Bergman lançou uma obra-prima atrás da outra durante 14 anos. Foram 17 filmes de alto nível e que mudaram o cinema. Woody, além de nada ter feito que mudasse o cinema, nunca conseguiu fazer mais de dois grandes filmes a cada seis ou sete anos. Mas Coutinho mata a charada ao dizer que na verdade Woody Allen, como um Proust do cinema, fez apenas um único filme, que deve ser dividido em capítulos. Cada filme é um volume de um grande filme, o filme-obra de Woody Allen, um filme único de um artista que começa como humorista satírico, se torna porta voz da inteligência de New York tipica dos anos 70 e depois envereda por traumas Bergmanianos e ironias literárias. Por fim, descobre tardiamente Fellini, e neste milênio faz sua "coda", um colorido panorama do mundo e das figuras mundanas Fellinianas. Uma carreira longa e talvez a mais interessante em seu todo, neste cinema sem direção de hoje.
   Leio também um texto de Jabor que chora o cinema sem alma.
   Ele deve ter lido Benjamin. Troque alma por aura e lá está a teoria de Benjamin. Assim como cinco Fla-Flu por ano destrói qualquer espirito Fla-Flu, filmes feitos para cinema, DVD, internet, PC, TV, acabam com toda chance de culto, de alma, de paixão secreta.
   O nome é Tame Impala. Boa banda de covers.