RELATO AUTOBIOGRÁFICO- AKIRA KUROSAWA

   Em agosto de 1945, logo após a derrota do Império Japonês, Kurosawa, assim como outros 100 milhões de japoneses, esperava a fala do imperador no rádio. Como todos, Kurosawa esperava uma ordem de Hiroito. Nas ruas, as pessoas se preparavam, a expectativa era a de que todos se matassem. A vergonha da derrota seria lavada com o sangue. Espadas e facas eram afiadas. Kurosawa diz que no Japão todo "eu" era uma vergonha. O japonês se aplicava para ser parte de um todo, pensar em sua vida, em sua individualidade seria egoísmo imoral, falta de honra. Naquele dia o imperador, instruído pelos americanos, poupou seu povo. A ordem era a de reconstruir, esquecer, perdoar.
   Kurosawa fala das pessoas saindo às ruas sorrindo. A vida vencera.
   Esta biografia deste que é meu diretor de cinema favorito, é um belo exemplo daquilo que diferencia o Japão do Ocidente. Toda a trajetória de Kurosawa é marcada pela teimosia, pela obstinação e pela gratidão a seus mestres. Ele foi uma criança frágil, efeminada, tendo sofrido na escola a perseguição de mestres e de colegas. Mas ele era teimoso. Se aplicava nos esportes e passou a fazer kendô. Andava horas para ir a seus cursos e encontrou por fim um professor que o entendeu. O pequeno Kurosawa amava pintar, desenhar e ler. O pai era um ex-militar, professor de educação física. A mãe era a tipica japonesa submissa.
   Metade do livro são cenas curtas dessa infancia. Gostos de comida, dias de chuva, névoas e o amigo que era como um irmão. Kurosawa lembra com delicadeza, parece pintar as páginas do livro.
   Como a maioria dos mestres do cinema, ele se fez diretor sem querer. Arrumou um emprego de produtor e se viu como assistente de diretor. Yamamoto foi seu mestre. Ele descreve os basidores da indústria do cinema, macetes de fotografia e de edição. E louva os filmes que ele assistia então ( ele é fã de John Ford ).
   Kurosawa encerra o livro em 1950, quando Rashomon vence em Veneza. Termina para não ter de falar de pessoas e eventos muito vivos ainda. Se fecha em silêncio.
   Mas ainda houve tempo para falar da descoberta de Toshiro Mifune, um fenômeno da arte de atuar, um homem meio grosseiro que dominava a tela como ninguém mais. É bonito ler os louvores de Kurosawa, ainda mais sabendo que os dois estavam brigados na época do livro.
   Para quem ama filmes, eis um texto obrigatório.
   PS: Kurosawa é meu favorito porque ele une a aventura e o drama, a pura diversão e a arte mais refinada. Tem o visual apurado de Lean ou de Kubrick, a poesia de Dreyer ou Ophuls, a seriedade de Bergman e Lang e o heroísmo de Ford e Mann. Ele é uma enciclopédia.