TRANSFORMER, FUTEBOL, SEXO E AL GREEN

   Parece que afinal foi descoberto o óbvio, 1972 foi o melhor ano do rock. Uma série de shows, inclusive no Brasil, comemoram os 40 anos do ano que enterrou o passado e definiu o futuro do futuro. 1972 acabou de vez com as ilusões hippies mostrando ao universo a cara cínica, hiper-profissional e metida a besta do rock. Foi ano que deu aos tempos vindouros o caminho em estilo e produção.
   Harold Bloom, que não gosta de rock mas entende de mundo, diz que durante quinze anos o rock foi uma experiência mistica-transcendental. Seus amigos e alunos iam a shows de Grateful Dead ou Jefferson Airplane como quem ia a um momento decisivo em termos de existência. Procuravam uma reviravolta, um renascer. Em 1972 esse povo botou as botas na Terra. A experiência passa a ser carnal: sexo, drogas e ação.
   Exile on Main Street dos Stones, Harvest de Neil Young, Transformer de Lou Reed, Roxy Music 1, Let's Get It On de Marvin Gaye, Music of My Mind de Stevie Wonder, Catch a Fire de Bob Marley, Ziggy de Bowie, Slider de T.Rex, Superfly de Curtis Mayfield, Gram Parsons, o primeiro do Kraftwerk, Honky Chateau de Elton John, Funkadelic.... uma multidão de discos que ecoam sem parar nessas quatro décadas. Não há nada feito nos últimos milênios que não beba dessa fonte.
   Os Vingadores batem o recorde de bilheteria....em 1972 esse recorde foi batido pelo Poderoso Chefão....alguma coisa ruiu desde então. Falar de cinema hoje é falar de saudade ou de futilidade.
   O Bandido da Luz Vermelha é o maior filme já feito neste Brasil. Hoje estréia sua tardia continuação. Não vi ainda mas já adorei. Tem o sublime Ney Matogrosso fazendo o Luz Vermelha. Segundo Ney, o bandido passou 40 anos na prisão lendo Baudelaire, Nietzsche e Kant. O filho do Luz segue os passos do pai. Faz tudo o que ele fez...em 2012. Não conheço melhor definição do mundo de hoje. Fazemos tudo aquilo que em 68/72 foi feito. As mesmas passeatas, as mesmas rebeldias, as mesmas caretices, as mesmas bandas, as mesmas atitudes. Mas com rostos sem rugas e sem marcas de história. Vazio portanto. Apenas cópias.
   No youtube tem uma cena em que George Best solta gargalhadas enquanto joga bola pelo United em 1968. Ele vai bater uma falta e um amigo do mesmo clube lhe rouba a bola e o dribla. Entendeu porque descrevo esta cena aqui?
   Dylan veio ao Brasil e fez o melhor show da década. Pouca gente viu. Em 1965 ele dizia que o mundo estava empenhado em morrer e que ele estava empenhado em viver. Em 2012 ele continua vivo. Recria suas músicas em cada show, percorre a estrada e renasce a todo dia. Dylan é a prova viva de que viver é possível.
   Ando com um amigo por ruas escuras. Um insight: Dylan repete Rimbaud e Whitman. Renascimento. Morte em vida, mortes em vida e a ressurreição antes da morte. Dylan é um exemplo de gnose.
   Neymar nos recorda que o futebol é uma brincadeira. Ele chega ao limite do jogar por jogar, onde a vitória é um detalhe e o gol uma celebração. Neymar não é um turista. É um peregrino.
   Quando aquela menina anda com seus jeans esfarrapados grudados nos quadris eu sinto que o sexo é uma chance para se deixar de ser bobo. Eu me afundo nela, me esqueço de mim nela, me engulo nela e me perco de mim nela. E depois volto pra mim-mesmo mais eu do que nunca. Quero que ela faça o mesmo. Ela faz. O sexo existe pra gente morrer nele. E aprender a reviver nele. Carne e suor também é religião.
   1972 teve Al Green. E quando se tem Al Green não se precisa de mais nada.