VIVER É NÃO FAZER COISA NENHUMA ( UM CAFÉ COM YVES DE LA TAILLE )

   Amo tanto a vida que chega a dar tristeza. Porque sei que não estarei aqui para sempre. Mas não amo a vida pelas coisas que faço. De tudo o que fiz de nada sentirei falta. Amo o que há na vida. Por exemplo.
   Enquanto escrevo um galo canta longe. Isso me dói de saudade antecipada. Morrer e não ter mais galos. Sei também que a Lua viaja lá em cima. E sei que vou vê-la daqui a pouco. E da Lua sentirei uma falta que vai doer. É dessas coisas que sentirei falta e são essas coisas que eu amo. Uma poça de água, as nuvens rosadas do fim da tarde, o olhar de um cão, o bando de maritacas gritando nas árvores, cemitérios de manhã cedo e gente saindo da igreja. O barulho da chuva, o cheiro de terra molhada, as árvores numa tarde de frio, neblina e abelhas voando. O mar e o cheiro de um corpo de mulher... A vida.
   Mas há quem ame a vida por aquilo que fez nela. Vai sentir falta de certas festas, certas viagens, certas noites. OK. Mas essa não é minha praia. A vida não é o que voce faz dela ou com ela, a vida é saber apreciar sua passagem.
   Finalmente um Café Filosófico que valeu alguma coisa. O psicólogo Yves de La Taille fala sobre a vida. E para isso ele aborda a educação. Mais ainda, ele levanta a teoria de Bauman. Qual teoria? A que nos pergunta: Voce e a vida de agora, ela é um ato de turismo ou um ato de peregrinação ?
   Não se fala de viagem. Mais que isso, o que se diz é de postura na vida, modo de estar na existência. Então reformulo, voce vive dia a dia como um turista ou como um peregrino?
   Ambos estão de passagem e em movimento. Pois a vida é passagem e é mover-se. Mas as semelhanças são apenas essas. Senão vejamos...
   O turista não se interessa pelo caminho. Ele quer chegar rápido. Tem um objetivo, o lugar onde ele vai se divertir. Ou descançar. Ou se educar. Não importa, o caminho é um obstáculo a ser vencido.
   O turista não tem tempo a perder. E ele tem objetivos. Mesmo que esse objetivo seja apenas o descanço. Há algo de concreto a ser ganho, um plano, um itinerário.
   O lugar onde o turista vai é "charmoso". E ele ansia por contar aos outros o que lá fez. Há uma "informação" para ser dividida.
   O peregrino valoriza o caminho. E esse caminho deve ser longo. A estrada é observada, saboreada, vivida. Ela é a rota. Mas essa rota pode ser mudada ao sabor do acaso. Ou melhor, pela intuição. A peregrinação nada tem de racional, ela desperdiça tempo, ela se guia por motivos vagos, e nada tem de divertida.
   O peregrino mal sabe o que significa diversão. O que o move é a "fé". Ele tem a esperança de se encontar no caminho, de crescer, de ter uma iluminação. O objetivo é mero pretexto, o que ele quer é um caminho sem final.
   Esse peregrino nada tem a informar. Os amigos pensarão que ele jogou tempo fora. O lugar não é charmoso. Se ele puder falar dirá uma narração e não uma informação. 
   O turista viaja para continuar sendo e ganhar, o peregrino quer deixar de ser e vislumbrar.
   O mundo moderno é dos turistas. Todos temos a certeza de estar de passagem. E nessa passagem nos divertimos sem parar um minuto. Contradição: Nunca fomos tão pessimistas, encaramos a vida como mero acidente, um caminho árduo e sem graça, e então, assustados,  tentamos nos distrair, nos divertir.
   A diversão como bem maior só é prioridade em sociedades que perderam a fé na vida.  Onde nada faz sentido tudo é tédio e onde tudo é tédio só existem duas opções: se divertir ou morrer. E nesse mundo se voce não se diverte, voce só pode estar morto.
   Ócio.
   O ócio é uma arte  e era ensinado na Grécia. Saber nada fazer. Ficar dias, semanas sem fazer coisa alguma e ser feliz assim. Apenas observar, mais que isso, aprender a contemplar.
   Existem religiões que dizem que toda a sabedoria está na contemplação.
   Isso ainda existe?
   Meu conflito nunca foi de mim com eu-mesmo. Sempre foi de eu e o meio/tempo.
   Sou um contemplativo, mas vivo em tempo que martela em minha mente que isso é errado. Tempo em que até o descanço deve servir para algum bem.
   Mas e se eu falar que a vida melhor vivida é aquela que é contemplada? Que só essa vale a pena? Fazer é perda de tempo, viver é não fazer. Olhar o tempo se escoar em contemplação de pensamentos e de coisas "imperecíveis". Porque nada é mais futil, perecível e enganoso que a diversão, o prazer que se esvai, a ação pela ação. Isso é viver de fato? Agir e agir e agir e agir....
   Eu amo o galo que canta. Não amaria criar galos ou comer galos ou estudar galos. Quero ouvir e ver o galo que canta.
   Yves fala de um belo sintoma que exemplifica a falência de nossa sociedade:
   Quando seu pai ( e posso dizer que eu mesmo cheguei a viver isso onde nasci ), quando seu pai andava de noite sózinho, numa rua escura, ele sentia medo. Daí quando ele ouvia passos de alguém vindo em sua direção ele sentia alegria e alivio. Alguém vem vindo, que bom!
    Hoje se voce estiver só numa rua deserta, de noite, e ouvir os passos de um estranho vindo em sua direção, o que vai sentir? Medo. O que isso quer dizer? Que antes a vinda de um homem era uma boa nova. Havia a confiança na moral desse homem, em sua virtude. Agora, o que sentimos é a desconfiança desse homem, a certeza de que todo homem é imoral e nada virtuoso.  Eis a falência do mundo.
    Precisamos de mais peregrinos, de gente que saiba olhar o caminho. De gente que consiga ser ociosa.
    Eu sou um peregrino que vive em mundo de hotéis, spas e informações vazias. E sinto pena por ter perdido o maravilhoso dom ocioso que eu tinha.
    Como era bom saber não fazer nada e se sentir feliz por isso!!!