PRA QUE SERVE A POESIA? ( DE ACORDO COM HEGEL E OCTAVIO PAZ )

Hegel: "A lírica nasce do desacordo com o exterior. E a confiança no mundo interior do poeta."
( Antes de tudo um obrigado oa professor Alcides, aulas instigantes demais! )
A chave da frase de Hegel é; Confiança no mundo interior.
Houve uma fase terrível em minha vida em que me era impossível ler poesia. Tudo o que significasse adentrar àquilo que poderia escapar a minha razão me era assustador. Eu disfarçava esse medo com o rótulo de "sem tempo". Eu não tinha tempo para a poesia. Na verdade, não tinha a confiança.
Mas afinal, o que é e pra que serve a poesia?
Sigo agora uma ideia de Octavio Paz.
O tempo é como uma linha. Voce anda, pensa, teme, come, dorme, trabalha e lê. Sempre nesse fluxo temporal retilineo. Ontem eu comi peixe, hoje eu escrevi para Maria, amanhã irei ver meu avô. Então agora, imagine essa sua/nossa vida, como uma linha, começo, meio e fim, tudo encadeado em fluxo constante: --------------------
Agora pense. Eu ando pela rua dentro dessa linha de vida e tempo. E observo um lindo prédio, gente que anda, uma menina bonita, uma árvore. Até mesmo filosofo sobre a menina, sobre o tempo que passa e sobre a morte de tudo. Mas então, súbito, alguma coisa acontece. Como se fosse uma flexa, uma linha vertical cai sobre a linha horizontal.
Na rua alguma coisa se faz. E essa coisa que se faz NÂO faz parte da linha do tempo. Essa coisa não é um sentimento, não é uma filosofia, não é uma emoção. Essa coisa que quebrou a linha não pode nem mesmo ser escrita em linha, pois a escrita em linha é a escrita do tempo ordenado. Essa coisa é a poesia.
A poesia é a escrita não linear, não temporal, que salvo algo ou alguém da linha do tempo. Eterniza um ponto recolhido do esquecimento do instante que passa. Cito Paz:
" No aqui e agora algo se principia, uma luz especial cai sobre o momento. Esse fragmento se faz um mundo em si. Sem passado ou futuro, um eterno agora."
Ler poesia é sempre entrar em contato com o que sobrevive. O agora que fica sendo agora. Não há nela a ordenação da prosa. O começo e o fim. Poesia pode ser lida em qualquer ordem, sem senso de linha e de final. Pode ser relida indefinidamente. E quando bem realizada, é atemporal.
Gaston Bachelard disse:
" A poesia só pode ser mais que a vida se ela imobilizar a vida".
A poesia é portanto o momento que se faz para sempre um aqui e agora. Aquele segundo se torna longo como a eternidade e tudo o que nele havia se salva do esquecimento.
Todos nós ( será? ), vivemos momentos de poesia. São raros e são menos raros na infância. Momento que somos incapazes de esquecer e que parece ter acontecido agora mesmo. É a lembrança que não é passado, pois a levamos viva sempre em presente. Fato antigo que continua reagindo com o agora e portanto não é velho e muito menos antigo. Vida interior sem linha e sem razão.
O poeta vive com acesso a esse estado sem tempo. Percebe o extra-linha na pomba que passeia na calçada, na pedra do caminho, na maçã sobre a mesa, na face do espelho.
O poeta vê com olhos sem idade, vê o que nega a linha da vida, dá valor ao que merece sobreviver.
Mundo sem poesia seria mundo com idade bem contada, linha de vida definida e onde tudo seria esquecimento. Vida retilinea, sem surpresas e sem epifanias. Onde um pombo é um pombo e a maçã é sempre apenas mais uma maçã. Mundo mediocre, sovina e conformado. Banguela.
Mas não eu. Vejo em cada rua uma rachadura que é sinal, uma folha que se salva, uma face que é para sempre.
Desperdiço tempo com poesia, gasto linhas as entortando, jogo fora tempo com eternidades.
Não sou poeta, mas vivo na poesia.