OS ESPÓLIOS DE POYNTON- HENRY JAMES, UMA QUESTÃO DE PONTO DE VISTA

   Este é um dos livros que marca o começo da fase final de James. Sua escrita se torna muito mais elaborada, parágrafos longuíssimos, pensamentos dentro de pensamentos. Lançado em 1896, ele trata de uma mãe que ao se tornar viúva deve deixar ao filho toda a coleção de objetos que adorna sua mansão. Ela não quer legar seus objetos a um filho que é "tolo e fraco". Pior, ele irá se casar com uma jovem "ambiciosa e de péssimo gosto". Mas, entra em cena Fleda Vetch, uma amiga da mãe, moça de origem pobre, dona de bons modos e ótimo gosto, e que ama e se torna amada pelo filho "bobo". O livro trata apenas disso, da luta da mãe pelos seus bens e do amor de Fleda pelo tal filho tolo. Porém....
   A primeira coisa que ressalta é a frieza das relações familiares na Inglaterra de então. Henry James era americano, escolhera a Inglaterra para viver, mas não se fizera cego para os defeitos da vida inglesa. A lei, absurda, que dava ao filho mais velho "todos" os bens do pai lhe era odiosa. Como bom inglês de classe alta, o filho segue a lei: toma a casa e suas coisas. A mãe, que decorara a casa "com os melhores objetos artísitcos do mundo" por toda a vida, se sente roubada. A frieza entre os dois é absoluta.
  O livro é centrado no ponto de vista de Fleda. Henry James é um mestre nisso. O que vemos e sabemos é apenas aquilo que Fleda vê e escuta. Desse modo, nunca sabemos se aquilo que nos é mostrado é aquilo que de fato se pode chamar de "realidade". O grande tema de James sempre foi e é esse: a realidade vista por um único ponto de vista. Podemos confiar nessa visão? O que nos é contado é tudo o que de fato aconteceu? As emoções do personagem não poderiam distorcer aquilo que é dito? E de modo mais abrangente, a vida que nós leitores, vivemos, é real ou não seria nossa visão embaçada e pequena para um todo que jamais será percebido?
  Fleda ama ao jovem e este a ama. Ele largaria sua enfadonha noiva por ela. E a mãe dele ficaria salva se ambos se casassem, pois Fleda ama os objetos da mãe tanto quanto ela própria que os adquiriu em anos de busca. Nas mãos de Fleda todos eles seriam salvos portanto. Mas esse amor não se realiza. Há um enredamento nos pensamentos de Fleda, uma falta de decisão, medo misturado a "honra", que faz dela uma das mulheres mais irritantes já descritas por qualquer autor. Fleda erra sempre. Mente, quando deveria ousar a verdade, foge quando tinha de insistir e desiste na hora da vitória. Pior, a visão que ela tem de si-mesma é completamente tola, ela se vê como superior a tudo que a cerca, não percebe nunca seu acúmulo de erros absurdos. O amor e a felicidade, alcansáveis sem nenhum obstáculo, lhe são negados por seu próprio modo de agir e de pensar.  Fleda não se envolve, pensa ser livre e honrada, nada vê.
   A tradutora ao escrever a introdução não se contém, para ela Fleda é odiável por sua falta de visão. Já Henry James dizia ser Fleda exemplo de mulher íntegra e livre. Onde? Concordo com Onédia Célia Pereira de Queiróz, Fleda é deplorável !
   Nenhum livro de James tem parágrafos tão árduos. É dificil acompanhar os pensamentos de uma pessoa tão confusa e opaca. Fleda jamais é gostável, não admiramos nada nela. Não é inteligente, não é original, nada tem de cômico. Mas ao fim do livro, quando talvez ela tenha finalmente suspeitado da tolice que cometera ( Fleda prejudica a mãe, o filho e a si-mesma ), sentimos que ali há algo de profundamente patético, trágico de um modo corriqueiro. Então continuamos com aversão por Fleda, mas passamos, de novo, a amar a escrita desse gigante do subjetivo, Henry James.