AGRADEÇO A EXISTÊNCIA DE JOHN FORD ( O CINEMA DA SABEDORIA )

   John Ford crê. E esse é um dos motivos de ele ser chamado o Homero do cinema. E se voce tem a felicidade de fazer parte de seu universo, voce é feliz. Não há diretor com maior poder de regeneração. Ele te faz reviver.
   No que Ford crê?
   Ele acredita na amizade. Seus filmes sempre demonstram isso. Mas não é a neurótica amizade em que amigos ficam falando consigo mesmo. É a amizade ativa. Amigos que fazem coisas: bebem, brigam, viajam, cantam, celebram. Juntos. Amizade sem frescura, com pudor.
   Ford crê na virilidade e na feminilidade.
   Os homens em Ford são exigidos. Eles amadurecem e fazem coisas. São vastos e desajeitados. Têm humor tosco e sempre erram. Mas tentam ser Homens e às vezes chegam lá. Não são livres, eles seguem um código de conduta. São reais.
   As mulheres sentem e entendem. Não são bonecas bonitas, são fortes. Elas gritam, discutem, e acabam por mandar. Sabem como fazer e fazem sem serem percebidas. São imensas.
   Ford crê também em todos os rituais.
   No casamento como alegria da vida. Nos enterros como encontro com o mistério. Ele crê em refeições comunitárias e em festas que são reafirmações de cumplicidade. Ele acredita na comunidade, mas opta sempre pela solidão. John Ford crê em tudo que envolva tradição. Ele não joga nada fora, ele acumula conhecimento. Isso é sabedoria.
  Nos filmes de Ford existe a abundância dessa fé. Homens, mulheres e amizade. Casamentos, enterros, danças, refeições, música folk, vastidão. Todos seus filmes têm cenas assim, cenas de crença. E ele filma sem ironia e sem segundas intenções. Ele acredita no que mostra. Mas jamais é ingênuo. A gente percebe que ele pensou naquilo e que resolveu acreditar naquilo. Ele se torna dono e senhor do que filma. Um titã.
   John Ford crê em Deus. Num Deus que é pessoal, dele. E com essa crença ele filma. E isso faz com que todo herói pareça de verdade. Quando Ford filma um deserto, e ele ama o espaço vazio, o que ele filma é toda uma filosofia da fé. Porque o mundo de Ford pode estar em crise, em transição, em momento de imensa dor. Mas ele sempre parece certo, adulto, confiante, sábio. 
  Eu agradeço a existência dos filmes de John Ford.
  Às vezes amo mais a Hawks ou a Hitchcock. Às vezes admiro mais a Bergman ou a Kurosawa. Mas nenhum deles é tão quente, tão vivo, tão cheio de fé no homem.
  Triste, mas devo dizer, nenhum diretor é tão distante de nós. Seu mundo é outro mundo, sua mente nos é alienigena.
   Mas na tentativa de captar algo desse universo fordiano, na alegria de conhecer outro mundo real, nesse contato nos purificamos.
   Pode-se dizer que minha vida tem um sentido: a tentativa de conhecer o que não conheço.
   John Ford é meu pastor nesse deserto. Com seus filmes nada nunca falta.