CRITICO, RAÇA EM EXTINÇÃO

   As pessoas morrem de medo, hoje, de serem chatas. Chatos são colocados fora da "cena", são chamados de rabugentos. A década de 80 viu o apogeu de chatos profissionais. Foi uma época em que era cool falar mal. Mas neste século falar mal é ser apenas um cara demodée. Um "Paulo Francis/Matinas Suzuki/Gerald Thomas" da vida.
   Criticas morreram. Todas são suspeitas. Falo da critica em midia impressa. E sou motivado pela ausência de critica ao Lollapalooza. O festival deu milhares de motivos para a escrita de criticas certeiras. Ninguém as escreveu. Quem ler o que se imprimiu pensará que tudo foi lindo ( Ora seu trombone chato, não foi? ).
   Voce só cresce ao se criticar. Se voce tiver a ilusão de que tudo em voce está lindo voce já era. É isso que se faz com a arte hoje. Elogia-se tudo, e mesmo quando o critico ousa dizer que não gostou, isso vem temperado por várias luvas de pelica. Não se ataca com coragem, se dá conselhos. Dessa forma a arte deixa de ser criticada e assim não evolui. Dessa forma ninguém falou do ridiculo de Gypsy Punk, Foster, Friendly ou Band of Horses. Essas bandinhas se pensarão bandonas. E ficarão estagnadas.
   Mas os criticos também não se criticam. Inexiste o critico que ousa criticar seu "colega". E o que vemos são criticos também estagnados.
   Às vezes surge algum filme que alguém ousa falar mal. Mas são sempre os mesmos tipos de filme, filmes que são vitimas fáceis, filmes que são cool falar mal. E ninguém ousa os defender. Obras que são feitas para festivais ou prêmios nunca são demolidas.
   Óh menino imberbe, creia-me, não era assim. Kubrick era demolido, Hitchcock era chamado de comercial e superficial, Ford era considerado ultrapassado e Godard era tratado como lixo. E ao mesmo tempo alguns defendiam todos esses autores como se fossem gênios. Não havia o medo do risco, do ridiculo. Na musica, criticos punk demoliam Stones, Led, Floyd etc. Alguém destruiu alguma coisa nos últimos vinte anos? Falar mal de funk ou sertanejo não vale, quero ver mostrar o podre de Strokes, Oasis ou Pumpkins. Não um simples "disco fraco", mas sim a demolição da banda, a dissecação da falta de inspiração do grupo, o ato de se dessacralizar o sagrado. E também, por outro lado, a explicação de uma genialidade.
   Ler uma critica com cinco linhas e algumas estrelas é transformar arte em dica de restaurante. Ou de motel.
   Na internet se arrisca um pouco mais. Mas Barcinski ou Butcher, que são corajosos, ficam perdidos em meio a um mar de bonzinhos e bundinhas. Pior, gente que não tem parâmetro algum para julgar se mete a critico. Sim, eu sou chato, te avisei.
   Como levar a sério a opinião, que é de fã na verdade e jamais de critico, sobre o disco "criativo e original" do Dead Weather, se tudo o que esse critico conhece de "criativo e original" são meia dúzia de bandas surgidas nos últimos cinco anos? A tendencia desse arauto da opinião será a de elogiar tudo aquilo que ele já conhece e ignorar o que lhe é estranho. A função principal do critico que é a de abrir caminhos fica negligenciada. Se torna uma coluna de babação babaca e não de risco e acerto.
   No cinema a coisa é bem pior. Criticos internéticos tendem a trabalhar como espelho. Elogiam o que reflete aquilo que eles são. O resto inexiste. São seres estéticamente analfabetos, que se metem a discorrer sobre "a nova sensação do cinema de arte" sem terem a menor ideia do que seja cinema ou arte. Crianças que conhecem o ABC e dão palpites sobre XYZ.
   Viva a democracia? Ora, por favor! Seria ótimo se quem os lesse tivesse a noção de sua futilidade, mas existem outras crianças que os lêem e de balbucio em balbucio aquela "critica" passa a valer como "coisa real".  O circulo se fecha e teremos de cada opinião furada mais cem chutes no vazio.
   Por outro lado isso me dá prazer. Se o mundo se tornar cada vez mais idiota, os poucos que têem alguma cultura serão arautos da civilidade. Basta dizer que em meio culto eu sou um jeca, mas no universo internético sou considerado "de boa cultura geral". Pobre universo internético!
   O que eu quero é uma critica que me abra os olhos para sentidos que não percebi. E que tenha a coragem de destruir e construir. Não li nada sobre nenhum filme em cartaz que me mostrasse uma nova visão. Ou que demolisse a enganação. E se eu falar sobre música a coisa fica pior.
   A tendência é a de que cada um permaneça em seu minúsculo mundinho, elogiando tudo que faz parte desse mundinho e não se deixando surpreender por nada que seja novo para si-mesmo. Conheço amigos que são tão fechados em seu espelho, que me dão o gosto de eu poder adivinhar TUDO o que eles irão gostar antes de que eles mesmo o saibam.
   A critica existiria para abrir os olhos desses cegos. O que ela faz hoje é polir os espelhos.