O SENTIDO FISIOLÓGICO DA LINGUAGEM

   Quando uma pessoa surda, surda desde nascido, recupera a audição, ela nada consegue compreender. Os sons da vida são para ela massa de ruídos indistinto. Ela não consegue sequer selecionar o que deve ser escutado e o que deve ser ignorado. A voz humana ou o ruido de uma lata na calçada são igualmente ouvidos.
   O mesmo ocorre com alguém que nasceu cego. Ao olhar a vida após curado, ele vê uma confusão de cores e de formas. Não distingue contornos, movimentos, massas. É como se tudo fosse um borrão, ele não sabe para onde olhar, O QUE BUSCAR COM A VISÃO.
   Nossos sentidos são convencionais. O mundo em que nascemos nos ensina o que ver, o que ouvir, o que ignorar. Nos primeiros meses de vida criamos uma hierarquia de sentido. Vemos e ouvimos aquilo que todos ao nosso redor percebem. Aprendemos a ver o mundo COMO NOSSO MEIO SOCIAL VÊ.
   Tribos distantes de nós percebem a vida de maneira totalmente diversa. Quando escutam, ouvem coisas que não aprendemos a ouvir. E enxergam coisas que jamais aprendemos a ver. É nesse momento que surge a arte.
   A arte tenta aumentar nossa percepção de imagem e som. Mas ela só vai atingir aqueles que já estão prontos para essa linguagem.
   O meio em que voce nasce te ensina a ver e ouvir. Esse ver e ouvir, dentro dos parãmetros da sociedade onde se nasceu, podem ser mais ricos ou muito pobres. Uma criança submetida a estímulos de cor, sons e movimentos terá um maior campo de entendimento. Uma criança em meio cinzento e silencioso terá uma pobreza de sentido. Canções de ninar, contos orais ditos pelos pais, música ambiente variada, cores fortes, contato com campo, mar e ruas; rostos e vozes, livros de ilustrações; tudo isso aumenta a percepção visual e auditiva da criança, fará com que ela tenha um maior campo de entendimento.
   Esse foi o teor de uma aula de linguistica. E é claro que puxei a brasa pro meu interesse.
   Um homem que cresceu com ração de um só tipo de música ( digamos rock folk ) só conseguirá entender esse tipo de som, ou algo muito próximo a isso. Do mesmo modo alguém que só assistiu TV não conseguirá TIRAR NADA de um filme não-televisivo. Ozu ou Visconti será para ele imagem borrada e lingua indistinta.
   Não estou falando de gosto, falo de entendimento. A pessoa não desgostará de uma sinfonia ou de um western. Ela simplesmente ignorará. Como diz o velho ditado, é grego para ela. Olhará e verá apenas cavalos e pó, escutará apenas violino monótono. Sua percepção visual e auditiva jamais foi aberta para essa linguagem. Em arte podemos ainda citar a dança, a arquitetura, a poesia e até mesmo o sentido de beleza estética como lingua que precisa ser ensinada, treinada, apreendida.
  Mas surgem daí dois problemas.
  O primeiro é que sem uma riquesa de experiências auditivas e visuais na infância não existe o desejo de se exercitar essa linguagem. É como se a pessoa fosse cega e surda sem o saber. Pensa nada lhe fazer falta.
  Segundo é que na atual sociedade sofista, em que tudo é relativo e "válido", ser cego e surdo é elogiável.
  Vem daí uma frase que Flavio Gikovate disse ontem e que adorei:
  "Na sociedade de consumo é preciso que todos sejam infelizes. O homem feliz não consome. Pessoas felizes, e existem, são aquelas da imagem batida da casinha de sapé. Precisam de pouco, querem pouco."
  Ora, uma pessoa que consegue ver e ouvir plenamente consegue tirar prazer de quase tudo. Seus canais de estimulo estão abertos, não precisam de uma super excitação.
  Já os cegos e surdos estão sempre necessitando de músicas bombásticas, filmes acachapantes, velocidades alucinantes, cenas cheias de drama exagerado. E tudo isso usado para transmitir sempre a mesma velha mensagem ( a única entendível por eles ).
  É bastante provável que no futuro tenhamos apenas um tipo de música e um tipo de drama ( seja em tela, palco ou o que vier ). E pior, pode ser que só percebamos imagens em movimento e só escutemos sons de um ´só tipo de frequência. Cabe a arte, cada vez mais, a missão sublime de tentar nos salvar desse EXECRÁVEL MUNDO NOVO.