E tudo começa na Holanda. No século XIX, a avó de Duveen coleciona porcelana de Delft. Um dia essas porcelanas, que não pareciam valer grande coisa, são bem vendidas por um tio na Inglaterra. Resolve-se então aplicar nisso, na venda de porcelana e de móveis. Quando Duveen vem ao mundo a familia já está bem de finanças, mas ele dará o grande salto, fará de seu nome sinônimo de vendas, de gosto e de esperteza.
Logo na adolescência ele se lança. Muda o endereço do tio, estabelece-se na América. E passa a vender arte, sómente grande arte. Nesse tempo ( 1900-1915 ), a Quinta Avenida em NY, era zona de mansões. E os moradores dessas mansões se chamavam Morgan, Rockefeller, Hearst, Altman, Carnegie. No ramo do aço, petróleo, construção, estradas de ferro, carnes e lojas de departamento, foram eles que fizeram a fortuna do país. Era o tempo do hiper-capitalismo, do risco, do lucro fabuloso. Duveen logo percebeu que esses homens tinham tudo: mansões, iates, cavalos, jóias. E tédio. Não sabiam viver e não queriam saber. Eram radicalmente diferentes dos nobres europeus. Os europeus, mais confiantes em seu status, aproveitavam seu ócio sem culpa. Os americanos, impedidos de relaxar pela ética puritana em que tempo ocioso é tempo pecaminoso, sem um passado nobre, sem títulos a disputar, se sentiam inseguros, vazios, frágeis. É nessa brecha que Duveen adentra.
Se eles tinham tédio, Duveen curaria esse tédio fazendo-os gastar milhões. Se o tempo ocioso era um pecado, Duveen os faria se sentir produtivos investindo em arte. Se esses milionários se consideravam plebeus, Duveen lhes venderia nobresa e classe através de quadros que foram de duques e de barões ingleses. E o principal, Duveen venderia não querendo vender. Como?
O grande prazer dele era comprar. E ele jamais pagava barato. Comprava caro para poder vender caro. E com pouca margem de lucro. Ao comprar caro ele mostrava a sua restrita clientela o valor da obra. E ao vender com pouco lucro, e às vezes nenhum, ele exibia seu caráter de colecionador, de não vendedor. Mas seu objetivo é vender. Sempre. Exemplo:
Uma vez, na Inglaterra, Duveen visita a casa de um nobre. Na sala vê uma coleção de tapeçaria. Diz ao dono: "-Me dói o coração ao ver uma sala tão bela com tão vulgar tapeçaria". Duveen compra toda a coleção. E a deixa em seu porão, para sempre. Sim, era verdade, a tapeçaria era ruim. Sim, ele pagou caro por ela. Sim, ele não as vendeu. Mas ele ganhou nessa operação. Como? O nobre ficou tão encantado que começou a passar para Duveen todas as dicas sobre tapeçarias de seus amigos. Duveen passou a negociar com esse círculo fechado. Comprar tapeçarias que agora eram boas, e vendê-las aos americanos. "Esta foi de Lord X, esta foi de Lady L..."
Sempre que um milionário americano ia á galeria de Duveen, na Quinta Avenida, lógico, e eles adoravam ir até lá, Duveen dava um jeito de não vender uma pintura para eles. Era sempre o ritual do "esta não está a venda", "esta eu reservei para minha mulher", " Morgan escolheu esta". Duveen sabia que a impossibilidade aumenta o desejo e jogava com isso. Quem tem tudo deseja somente o que não pode ter. E um Rafael, um Van Dyck, um Rembrandt eram raros.
Duveen jamais negociou pinturas pós-1800 por isso. O século XIX produziu demais. Se seus clientes começassem a amar Renoir ou Monet teriam muito que escolher. Mas um Tiziano seria sempre dificil.
Então o que Duveen dava a esses bilionários ( os quadros custavam um milhão, num tempo em que 10.000 dólares era uma fortuna ), era o desejo, e mais que isso, a sensação de imortalidade. Todos eles acabaram por formar coleções, coleções que hoje são vistas por todos, coleções sem preço. A coleção Morgan, Rockefeller, Carnegie.....
Era um belo prazer para esses homens. Gente que aos 15 anos vivia no trabalho duro, semi-iletrados, duros e solitários, calados e muito sovinas, verdadeiros Tio Patinhas, poder agora, aos 70 anos, viver cercado pelo luxo e nobresa de pinturas que foram de reis ou de duques. Isso lhes dava a sensação de permanência e de importância que a filosofia americana não podia dar. Ter mármores italianos e móveis franceses antigos era o mais próximo que eles podiam chegar de uma vida que não estava à venda. Duveen lhes vendia tudo isso.
S.N.Behrman foi jornalista e um dos mais brilhantes dos roteiristas da velha Hollywood. Tinha o dom do diálogo. Escreveu mais de cem roteiros e ainda peças e livros. Este é delicioso. Um prazer da primeira a última página. Procure e leia.
Logo na adolescência ele se lança. Muda o endereço do tio, estabelece-se na América. E passa a vender arte, sómente grande arte. Nesse tempo ( 1900-1915 ), a Quinta Avenida em NY, era zona de mansões. E os moradores dessas mansões se chamavam Morgan, Rockefeller, Hearst, Altman, Carnegie. No ramo do aço, petróleo, construção, estradas de ferro, carnes e lojas de departamento, foram eles que fizeram a fortuna do país. Era o tempo do hiper-capitalismo, do risco, do lucro fabuloso. Duveen logo percebeu que esses homens tinham tudo: mansões, iates, cavalos, jóias. E tédio. Não sabiam viver e não queriam saber. Eram radicalmente diferentes dos nobres europeus. Os europeus, mais confiantes em seu status, aproveitavam seu ócio sem culpa. Os americanos, impedidos de relaxar pela ética puritana em que tempo ocioso é tempo pecaminoso, sem um passado nobre, sem títulos a disputar, se sentiam inseguros, vazios, frágeis. É nessa brecha que Duveen adentra.
Se eles tinham tédio, Duveen curaria esse tédio fazendo-os gastar milhões. Se o tempo ocioso era um pecado, Duveen os faria se sentir produtivos investindo em arte. Se esses milionários se consideravam plebeus, Duveen lhes venderia nobresa e classe através de quadros que foram de duques e de barões ingleses. E o principal, Duveen venderia não querendo vender. Como?
O grande prazer dele era comprar. E ele jamais pagava barato. Comprava caro para poder vender caro. E com pouca margem de lucro. Ao comprar caro ele mostrava a sua restrita clientela o valor da obra. E ao vender com pouco lucro, e às vezes nenhum, ele exibia seu caráter de colecionador, de não vendedor. Mas seu objetivo é vender. Sempre. Exemplo:
Uma vez, na Inglaterra, Duveen visita a casa de um nobre. Na sala vê uma coleção de tapeçaria. Diz ao dono: "-Me dói o coração ao ver uma sala tão bela com tão vulgar tapeçaria". Duveen compra toda a coleção. E a deixa em seu porão, para sempre. Sim, era verdade, a tapeçaria era ruim. Sim, ele pagou caro por ela. Sim, ele não as vendeu. Mas ele ganhou nessa operação. Como? O nobre ficou tão encantado que começou a passar para Duveen todas as dicas sobre tapeçarias de seus amigos. Duveen passou a negociar com esse círculo fechado. Comprar tapeçarias que agora eram boas, e vendê-las aos americanos. "Esta foi de Lord X, esta foi de Lady L..."
Sempre que um milionário americano ia á galeria de Duveen, na Quinta Avenida, lógico, e eles adoravam ir até lá, Duveen dava um jeito de não vender uma pintura para eles. Era sempre o ritual do "esta não está a venda", "esta eu reservei para minha mulher", " Morgan escolheu esta". Duveen sabia que a impossibilidade aumenta o desejo e jogava com isso. Quem tem tudo deseja somente o que não pode ter. E um Rafael, um Van Dyck, um Rembrandt eram raros.
Duveen jamais negociou pinturas pós-1800 por isso. O século XIX produziu demais. Se seus clientes começassem a amar Renoir ou Monet teriam muito que escolher. Mas um Tiziano seria sempre dificil.
Então o que Duveen dava a esses bilionários ( os quadros custavam um milhão, num tempo em que 10.000 dólares era uma fortuna ), era o desejo, e mais que isso, a sensação de imortalidade. Todos eles acabaram por formar coleções, coleções que hoje são vistas por todos, coleções sem preço. A coleção Morgan, Rockefeller, Carnegie.....
Era um belo prazer para esses homens. Gente que aos 15 anos vivia no trabalho duro, semi-iletrados, duros e solitários, calados e muito sovinas, verdadeiros Tio Patinhas, poder agora, aos 70 anos, viver cercado pelo luxo e nobresa de pinturas que foram de reis ou de duques. Isso lhes dava a sensação de permanência e de importância que a filosofia americana não podia dar. Ter mármores italianos e móveis franceses antigos era o mais próximo que eles podiam chegar de uma vida que não estava à venda. Duveen lhes vendia tudo isso.
S.N.Behrman foi jornalista e um dos mais brilhantes dos roteiristas da velha Hollywood. Tinha o dom do diálogo. Escreveu mais de cem roteiros e ainda peças e livros. Este é delicioso. Um prazer da primeira a última página. Procure e leia.