UMA VIDA "BELA"

   Escrevi abaixo que toda pessoa criativa tem algo de sujo e de desorganizado. Que uma sociedade que impôe a limpeza hospitalar como lei geral do bem viver reprime a manifestação criativa. Sou exemplo vivo disso. Não sei se sou um artista frustrado por ser contido e medroso, ou se sou contido e medroso por não ser um artista. Amo a arte, mas sou incapaz de viver uma vida criativa. Meu perfil é aquele do apreciador apaixonado.
   Bernard Berenson, o maior critico de arte dos últimos cem anos, confessa ao fim da vida ter se arrependido de suas opções. Diz ele que tudo em sua alma clamava pela produção de arte, pela escrita de romances. Mas que ele desperdiçou sua vida em trabalho critico. Associou-se a comerciantes de arte ( Duveen ) e se viu imerso no turbilhão da vida.
  É óbvio que Berenson pode se lamentar o quanto quiser, mas ele não nasceu para ser Proust. Berenson era organizado, limpo, bom aluno, erudito. Sua missão não era dar a vida a "coisas", sua missão, nobre, era fazer com que essas "coisas" fossem apreciadas por seu justo valor.
  O que fez Bernard então? Fez de sua vida, arte. Quem o conheceu diz que tudo o que ele vestia, falava e tocava era obra de arte. Ele não criava arte, ele era a cria de um artista. Morou em Firenze e lá montou sua villa. Após sua morte, essa villa foi doada à Harvard, a universidade em que ele foi um dos mais brilhantes alunos. Um palazzo cheio de mármores, pinturas e objetos da renascença; e com a mais rica coleção de livros de arte do mundo. Essa villa é hoje um dos campus da universidade. Aos mais brilhantes alunos é dado o direito de lá se hospedar.
  Berenson dividia os homens em duas categorias: aqueles que aumentavam a vida, e aqueles que a diminuiam. Berenson, que viveu até os 90, teve tempo de aumentar a vida de muitos homens. Dividiu seu amor à arte com todos aqueles que tivessem o desejo de aumentar sua vida.
  De certo modo Duveen, o super-marchand com quem ele se associou por algum tempo, era seu contrário. Duveen, apesar de amar aquilo que vendia com sinceridade, diminuia a vida. Ele acreditava apenas em si-mesmo. O que ele vendia e possuia era bom, o resto era falho. O mundo se transformava em apenas sua visão. Berenson logo percebeu que essa era a mesma mente do politico, do cientista e do dogmático. Uma visão verdadeira, uma única certeza.
  Gente como B.B. pregava o oposto. A infinita possibilidade. A miriade de verdades. O aumento da vida.
  Seu ideal era o de viver apenas pela e para a beleza. Ninguém chegou mais perto disso que ele ( de 1900 pra cá ). Ele teimava em não saber, mas sua vida esteve longe de ser em vão. Foi um abençoado.